@ tainah negreiros

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Os meninos no shopping, os arrastões no rio, as cercas e "O Som ao Redor"




A repercussão dada aos acontecimentos como o caso dos meninos no shopping e os arrastões no rio me fazem pensar em algo mostrado com primor em "O Som ao Redor": imagens de invasão e a sensação de invasão. Esse episódios são sempre tratados com esse teor, a partir da lógica de um mundo ameaçado. O filme de Kléber Mendonça Filho nos ajuda a indagar essa sensação criada de que há "um mundo em perigo", um mundo branco, asséptico, fingido, trancafiado, ameaçado por um mundo negro fantasmagórico, como está presente na impressionante sequência do sonho no filme em que vemos jovens negros pulando o muro sem parar, que remetem às imagens jornalísticas ou amadoras dos arrastões no rio e dos jovens no shopping. São silhuetas da ameaça, não mais pessoas, algo como sombras atrás da porta, como vemos também no filme. É possível perceber a lógica da ameaça e da invasão indo mais longe, algo que está presente também nos discursos anti-cotas raciais e para alunos de escola pública, está presente também nos reclames sobre os aeroportos cheios, nos carros blindados, nos muros altos, nas cercas elétricas. Segue a tragédia da cerca.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A vida de Adèle


Na primeira parte de "Azul é a cor mais quente" ficamos presos na escolha de Kechiche por filmar tudo de uma proximidade extrema. O que vemos: um dia depois do outro da vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos), através de seu rosto, sua nuca, seus pequenos gestos, seu andar, levantar de calças, abrir de boca, tudo, o cotidiano escolar, a aproximação e o sexo com um colega, a corrida até o ônibus, o plano já batido da jovem encostada na janela, o modo como a luz recai sobre ela e sobre alguma coisa ou outra em torno dela. Belezas. Algumas puramente plásticas e muitas belezas dessa construção juvenil da inadequeção. Aspectos que despertam o interesse mas ao mesmo tempo afastam. Onde esse olhar até ali mostrado poderia levar?  O filme parecia ser  repleto de coisas para desagradar, principalmente o modo como Kechiche filma o corpo de Adèle na primeira parte que expõe um fetichismo repetitivo e, por vezes, grosseiro. O que dá sentido à crítica feminista feita ao filme. Mas por sorte, e por Kechiche ter bem mais a mostrar que tudo isso, o filme vai ganhando vigor, verdade e peso a medida que segue. A vida segue.
O que passamos a ver é o encontro com Emma (Léa Seydoux), a aproximação, o acúmulo de desejo, de interesse - as badaladas cenas de sexos, por sinal, contribuem na construção desse peso da aproximação e no significado desse encontro para Adèle - o desvio primoroso de picuinhas escolares e familiares para a vida delas, os encontros com amigos, o sexo delas, o tédio delas e, acima de tudo, os momentos em que Adèle está sozinha em meio a tudo isso. Me chamou particular atenção o modo como Kechiche filma a fase de Adèle depois da escola, no trabalho como professora primária, o cotidiano daquele trabalho, sua cara de sono, sua satisfação, seu cansaço, sua vivacidade. Nesse momento Kechiche atinge algo a mais na filmagem do gesto. A câmera a essa altura não está colada no seu nariz nem em sua boca mas Adèle  mesmo assim está perto demais de nós. É muito curioso e bom vê-la como professora sabendo e acompanhando o peso da suas experiências de paixão, os lugares onde ela leva sua paixão, Adèle aqui e ali. O filme parece se afastar da construção dos "moranguitos de autor" para se aproximar do que é vida no encontro delas, nesse inevitável trágico da paixão e em tudo que o desejo e vivacidade de Adèle emana.