Senti que hoje eu deveria falar da minha relação com River Phoenix.
Tudo começou com uma intuição da minha mãe. Quando eu era muito pequena eu ouvia bastante um vinil duplo do Milton Nascimento que meus pais tinham em casa. Naquela época, com uns sete, oito anos, me interessava mais pelo apelo de Canção da América e Paisagem na Janela. Mamãe tinha uma sugestão a me dar sobre o disco: "Ouve essa música linda que ele fez pro o ator River Phoenix, filha". Ela me disse isso mais de uma vez. Me descreveu o River de um modo simples mas que eu nem suspeitaria que ia fixar: "Cabelo e pele queimados de sol". Com a teimosia de sempre, não ouvi a canção naquela ocasião.
Anos depois, quando eu tinha uns doze anos, assisti "Conta Comigo" na sessão da tarde. A presença do menino de olhos miúdos, com "cabelos e olhos queimados de sol" me comoveu. Lembro claramente do momento em que pensei. "Era desse menino que a mamãe falava, o da canção do Milton" Eu não sabia de nada do filme, não tinha visto os créditos, nada, foi uma intuição. Lembro de um certo assombro ao descobrir que se tratava dele mesmo. Já sendo uma pequena mística, entendi que o que se deu foi que eu tinha mesmo de conhecê-lo, que a vida persiste com as coisas tem que acontecer.
Esses dias li o depoimento do Milton Nascimento sobre quando o viu pela primeira vez em um filme e me lembrou a minha experiência:
"Numa tarde qualquer, estava lá vendo tv no hotel quando começou um filme: The Mosquito Coast. O nome de River Phoenix nos créditos logo chamou minha atenção, mas até então eu nunca tinha ouvido falar dele. Quando acabou o filme, fiquei prestando atenção nos créditos e, para a minha surpresa, o ator que eu mais tinha gostado era justamente River Phoenix. Nesse mesmo dia, também passou outro filme dele na TV: Stand By Me. Fiquei tão impressionado que decidi escrever uma carta pra ele. Foi quando surgiu uma música pronta na minha cabeça. Coloquei o nome: "River Phoenix (Carta a um jovem ator)."
Só fui ouvir a canção nessa ocasião assim que vi Conta Comigo. E então a letra e a recomendação da minha mãe fizeram todo o sentido. A conexão foi imediata com ele e com o que Milton dizia sobre ele. Passei a fazer uma pesquisa pré-internet e reuni uma série de matérias sobre ele. Achei muitas notícias da época de sua morte, 1993, montei um arquivo, li sobre seu vegetarianismo, suas motivações e desde então parei de comer carne. Até que veio Running on Empty, o filme de Sidney Lumet que mudaria a minha vida e seria importantíssimo para o que eu sou até hoje.
Durante algum tempo achei que o filme que Milton "viu tantas vezes" tinha sido esse.