"O pintor alemão Hans Puumann, rememorando seus tempos como discípulo e aliado de Matisse, conta que "alguns colegas" do ateliê de Matisse foram perguntar ao pintor "de que cor eram os chapéu e o vestido que aquela mulher estava usando, tão incrivelmente berrantes. E ele, exasperado, respondeu: 'São pretos, claro'"
"É evidente que existem coisas no quadro que nunca vão se converter em equivalentes de partes familiares do mundo - notadamente o fundo azul e verde de cada lado do rosto -, mas existem ínúmeras outras que se convertem ou se converteriam, se deixássemos."
"É claro que Matisse usou a "mesma" cor ou levíssimas variantes para coisas totalmente diferentes. Ele espera que percebamos isso (...) O pintor quer que vejamos a sutileza, e também a intencionalidade, de suas variações sobre um tema, ou como ele enxerga diferentes coisas à mesma luz; mas espera ainda que notemos o salto decisivo que foge da escala estabelecida."
"Perguntamo-nos agora, considerando esse ponto de vista, o que acontece com a "expressão" da sra. Matisse. Que palavra a definiria? Cautela? Tensão? Reprovação? Desconfiança? Desdém? É possível ver um toque de desgosto, ou ansiedade, ou até um leve medo? Ou ela está apenas distante? Em algum lugar, sozinha.
Sabemos, por dados biográficos, que Amélie Parayre acabara de passar por uma situação terrível, publicamente. Protegia-se com uma tremenda couraça, mas talvez, compreensivelmente, sempre à espera do pior. Hilary Spurling cita uma frase sua, dita anos mais tarde: "Estou em meu elemento quando a casa pega fogo."
"Tudo é extramamente moderno. Olhos, lábios, e sobrancelhas de Parayre são como os imagino em Dora, de Freud, ou em Ursula Bragwyn, ou em Maggier Verver. 'Fique firme, minha pobre querida", diz Maggie a si mesma enquanto a situação piora, ' sem terror demais -, e tudo se resolverá de alguma forma'.
"A profundidade será encontrada na superficialidade, a espontaneidade rebrotará da fria técnica. A abertura e a vulnerabilidade absolutas só serão descobertas por um processo de rigoroso mascaramento e grande formalidade. De certo modo, o sentimento e a razão são, nos momentos cruciais de Matisse, estranhamente a mesma coisa. Um determina a forma do outro. No modernismo, a Moda está sempre recitando o grande verso de Leopardi. Dona Morte, diz ela, Dona Morte. O laranja é azul, e o rosa é verde mar. E todas as cores do arco-íris são pretas."
(T.J Clark. A consciência de Matisse. Disponível na coletânea Matisse: Imaginação, Erotismo, Visão decorativa, organizada por Sônia Salzstein)
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