@ tainah negreiros

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Da nuvem à resistência


Voltei do trabalho hoje em passos tão lentos que quem passava por mim na rua reparava. A verdade é que queria aproveitar o sol depois da semana mais fria do mundo, estou sozinha em casa e queria adiar um pouco mais a arrumação que tinha deixado pra fazer. Passei na cafeteria-livraria e dei de cara com "Diálogos com Leuco", de Cesare Pavese, aquele texto mesmo que foi rejeitado pela crítica da época mas que Danièle Huillet e Jean Marie Straub viram potencial maravilhoso para colocar na boca de seus personagens. Dei de cara com uma passagem que me fez entender o porquê:

"A Nuvem: Nem o sol, nem a água, Ixion. O destino do homem mudou. Existem monstros. Um limite é imposto sobre você homem. A água, o vento, a rocha e a nuvem não são mais coisas suas. Você não pode mais pressioná-los contra você, gerando e vivendo. Outras mãos, de agora em diante, seguram o mundo. Há uma lei, Ixion".


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Apesar do frio


Manhã gelada em Curitiba. Penso na personagem Mona, de Agnès Varda e Sandrine Bonnaire no filme "Sem Teto e Sem Lei". Penso em sua sobrevivência, na rigorosa e libertária decisão de ser solta no mundo, de ser andarilha, de não se ligar em nada, nem emprego,  nem família, nem paixões, tudo isso em pleno inverno. Com o frio entendo mais ainda a coragem dessa decisão, a potência e a beleza desse filme de Agnès Varda.
Nessa manhã lembro especialmente de um dos encontros de Mona no seu percurso, do trabalhador que compartilha do pouco que tem com ela e lamenta quando ela parte. Depois disso vemos somente o cachecol vermelho dela em cima de uma calçada. É isso, Mona é essa presença e ausência vermelha que não nos larga.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Civilização Antiga



(...) Rapazes não se veem na rua. O rapaz está só
e repara que todos são homens, mulheres que não veem o que ele está vendo e caminham depressa.


Mas este homem trabalha. O rapaz o observa
e não entende que o homem trabalhe na rua,
agachado, no chão, como faz um mendigo.
Mesmo os outros que passam parecem absortos,
concentrados em algo, e ninguém lança a vista
para trás ou para frente, ao longo da estrada.
Se a rua é de todos, pois há que gozá-la
sem fazer outra coisa, olhando ao redor,
ora à sombra ora ao sol, no suave frescor.

Cesare Pavese, na obra Trabalhar Cansa

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Trust, de Hal Hartley




Trust nos traz algo de despreparo, talvez pelo sorriso dos personagens que não vem ou pelo modo de não se encaixarem. Não são da família, nem do trabalho, nem da escola, de lugar nenhum. Só vi o filme essa semana e posso dizer que foi um dos que mais me fez sentir confrontada, é das poucas coisas que consigo dizer sobre ele no momento. No mais o que temos é a desorientação, o desespero, e a retidão dos personagens mesmo quando a vida parece não fazer nenhum sentido. A retidão e seriedade de Maria e Mathew me parece ser o que há de mais comovente nesse filme que ainda tem muito o que se descobrir.

Há um cansaço nos personagens que vem das repetições dolorosas da vida, fruto principalmente do trabalho e da família. A vida e o cinema são uma luta obscura e difícil, como já nos disse Pascal Bonitzer. Trust é sobre isso, sobre se reconhecer e se unir nessa luta de todo dia que é ir vivendo.

trabalhar cansa (ou poemas para as manhãs)

"a manhã enfraquece e derruba quem acorda somente e percorre com vida esses campos."

"aparece um roceiro
com a enxada ao pescoço, enxugando-se a boca.
Nem seque se desvia, ultrapassa o primeiro:
há um campo que é seu e precisa de força."


Cesare Pavese

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Antes da Meia Noite, de Richard Linklater



A canção de Daniel Johnston que encerra "Antes do Amanhecer", cantada por Kathy McCarthy, parecia anunciar o que veríamos nesse "Antes da Meia-Noite":"hold me like a mother would, like I always knew somebody should, though tomorrow don't look that good". Nos dois filmes há a preocupação com o peso do tempo e nesse filme ele é mais uma vez esmiuçado em algumas horas que acompanhamos o casal. É admirável esse desejo do diretor e equipe de seguir com eles e mais uma vez partilhamos disso. Partilhar define o interesse que temos por essas experiências de amor dos dois.

Tive a chance de ver os filmes com quase a mesma distância dos lançamentos e esses efeitos do tempo sobre eles e sobre nós deixam a experiência com "Antes da Meia Noite" ainda mais impressionante. O filme se passa na Grécia, o casal tem duas filhas gêmeas e podemos ver também algo da relação de Jesse com o filho do primeiro casamento e sempre, sempre o peso do tempo está lá, das poucas horas que lhes restavam juntos nos outros filmes e dos anos já vividos nesse, tudo isso. Foi bom vê-los também juntos de outras pessoas na leveza das conversas com amigos que fez lembrar um Rohmer.
O percurso do filme pelas frustações, pelas dolorosas brigas dos dois e redescobertas nos leva mais uma vez a Daniel Johnston e sua bela e desajeitada canção que o nome talvez dê a chave da beleza do filme e do desembocar dele. Jesse e Celine se debatem sobre o que foram, o que vivem agora entre o o desespero e o riso e parecem chegar a conclusão de que ir vivendo tem sua graça mesmo em meio a confusão dos 40 anos com filhos.  A canção de Daniel Johnston se chama Living Life.


segunda-feira, 8 de julho de 2013

Todos queriam pagar por ela e ela queria muito mais.