@ tainah negreiros

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Alguma espécie de comunidade


"Ventura é um homem sofisticado. Não uma sofisticação de salto alto, mas uma sofisticação de altos e baixos. Ele é um homem mais elegante do que a classe média portuguesa em geral, por exemplo. Queria registrar essa sofisticação-Ventura. Vou parecer nostálgico ou reacionário, mas Ventura é de um tempo em que existia uma solidariedade familiar maior, alguma espécie de comunidade, coisa que deixou absolutamente de existir. O mundo de Ventura vai acabar com as paredes brancas de sua nova casa, aquela espécie de brancura sem passado. Já não se vê nada naquelas paredes. A classe operária já não encontra mais trabalho, mas o desemprego tem seus aspectos bons. As pessoas com quem discutimos no filme estão desempregadas. Há uma ociosidade. Eles estão sempre à procura de emprego, às vezes arranjam, mas dois dias depois são despedidos. Com a disciplina que eu imponho nas filmagens, que é um bocado dura (foram dois anos de trabalho, seis dias por semana) eles voltam não só a ganhar dinheiro como, eu acho, voltam a pensar, a refletir. Quando eles estão a trabalhar, em trabalhos tão pesados (são pedreiros, etc), é um trabalho tão duro que é difícil uma pessoa manter-se viva. Um filme, como é uma coisa mais aérea às vezes, é um excelente momento para que pessoas como essas voltarem a sentir coisas, a ter aquela sensibilidade que eu acho que está acabando. E eu acho que eles passam isso muito bem, uma sensibilidade que não é comum. Com meus filmes queria tentar não deixar desaparecer uma sensibilidade humana. Quero documentá-la em um momento em que ela pode desaparecer."

Pedro Costa, em entrevista para a Revista Cinética

Havia lido essa entrevista há anos, acredito que na ocasião que vi Juventude em Marcha, depois de todo aquele impacto. Hoje, reencontrada, essa fala já é uma das mais importantes pra mim.

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