Há alguma coisa em Shyamalan que vem desconcertando meio mundo desde "A Dama a Água". A hipótese para isso foi dada por Tatiana Monassa em texto na ocasião:
Estranho e surpreendentemente "missionário", A Dama na Água é um filme frágil como Story, à espera de pessoas abertas e de coração puro, que possam assisti-lo, colaborar com a sua proposta e receber carinhosamente sua narrativa. Sua aposta numa espécie de "retrocesso" da imagem cinematográfica a um estado de pura afecção não encontra pares no cinema contemporâneo e assusta pela completa entrega. Absolutamente exposto, na sua sinceridade desconcertante, ele parece rechaçar com naturalidade qualquer desmonte crítico, pelo seu profundo desejo de ser cinema ao limite da rarefação, seja pela absorção sensível daqueles que a ele se entregaram, seja por sua diluição no mundo ao qual ele parece querer secretamente se fundir, não para desaparecer, mas para realizar-se completamente, como nos tempos ancestrais.
A desorientação trazida por essa completa entrega e por essa fé na ficção e na vida engendrada pelo diretor segue. Não estamos muito acostumados com isso em tempo de cinismo, de diluição, derivação e de uma imensa previsibilidade do "sensível" e das formas para tratar dele que dominam o cinema contemporâneo, talvez daí resida tanto estranhamento e negação dos seus trabalhos mais recentes.
Em "Depois da Terra", a bravura pura está lá na história que trata do que deveria ser o maior de nossos medos e uma de nossas grande certezas: que a terra fica melhor sem nós.
Os personagens de Will Smith e do filho estão em uma missão pelo espaço e caem na terra inabitável para humanos. A câmera de Shyamalan a todo instante se esforça para nos mostrar algo forte de vida que segue. O filme é inteiro permeado por essa melancolia do que ela foi, do que poderia ter sido e do que se tornou a terra sem nós e por causa de nós. Há uma convivência perturbadora de esperança e dor pelo que a nossa ausência no mundo representa. A vida dos animais parece seguir seu curso, as águas teimam em correr, há harmonia, só ameaçada por uma presença humana, pelo desequilíbrio que proporciona. Para Shyamalan isso é muito triste mas nunca trágico.
Para o jovem Kitai, o filho, é preciso atravessar esse lugar encantadoramente perigoso para encontrar a ponta da nave onde vieram e salvar ele e o pai, os únicos sobreviventes. Aqui entra algo sem o qual o cinema de Shyamalan não existiria, a esperança. Se pensarmos nesse contexto devastador em todos os seus sentidos, a decisão de seguir, de ser uma presença naquele ambiente intocado, que segue a sua ordem, torna o trajeto de Kitai uma intervenção, quase como um lugar de esperança humana, de esperança da presença humana nesse ambiente. Sabemos que a terra para Kitai representa um trauma, um passado doloroso, e ele a reencontra perigosa e extremamente viva. Essa vida que representa beleza, encantamento e ao mesmo tempo o mais absoluto perigo.
É preciso dizer aqui mais uma vez que Shyamalan é um valente. Não é qualquer um hoje em dia que filmaria a relação entre Kitai e o ambiente, principalmente a relação que ele estabelece com a águia, sem temer parecer piegas.
Enquanto acompanhamos o caminho de Kitai e suas dificuldade temos a presença sóbria, dolorida e comovente do pai, Will Smith. Machucado, contigo, preocupado. Há uma série de questões que contribuem para esse peso que há na presença dele. Os personagens de "Depois da Terra" são cheios de passado e a Terra também. Talvez nisso resida sua imensa melancolia e daí surge a grande emoção que provoca. Há a tristeza inevitável dessa relação perdida entre Terra e homem. Desse laço desfeito. Os elementos da filmografia de Shyamalan ainda estão lá, talvez não os que tenham encantado boa parte do mundo, mas algo raro e fundamental na sua obra que é essa devoção ao humano, ao seus contatos com o que parece ser transcendente e às suas estratégias para lidar com o que ameaça acabar com sua esperança. Isso é realmente bonito no seu cinema. A todo instante esse filme faz pensar em "Sinais". Nesse filme de 2002, uma dessas estratégias para lidar a desesperança total do mundo está na narração, no contar. Quando a ameaça cresce em torno da casa do personagem de Mel Gibson (Graham), ele chama cada um de seus filhos para contar como foi o dia que eles nasceram, e conta quase como imagem. Enquanto isso, ao redor, há desespero, o irmão (Joaquín Phoenix) está colocando às pressas madeira nas portas e janelas. Aos poucos, nos descentramos do que faz o personagem de Phoenix para focar nas histórias dos nascimentos das crianças. É a vitória da narrativa, é a vitória da esperança e é essa fé na vida de Shyamalan que salva os personagens e segue engrandecendo seu cinema.
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