@ tainah negreiros

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cosmópolis




2012, crise mundial, mais uma crise do capitalismo, juventude na rua, muitos pobres, pouquíssimos muito muito ricos. Todas essas poderiam ser questões para entrarmos em Cosmópolis (2012), mas talvez faça mais sentido partirmos da limousine onde boa parte do filme acontece, onde há um isolamento, natural desse tipo de carro, e não se ouve a cidade movimentada naquele dia. No início vemos somente o semblante enfadonho do personagem de Robert Pattinson, Eric, que decide cruzar a cidade em um dia turbulento para poder ir ao cabeleleiro, em um dia que poderia haver uma atentado contra ele. É esse o mote, um homem riquíssimo fazendo o que quer, inclusive ter um médico no carro para lhe fazer exames diários. 
Há a questão da letargia que acabam vivendo os muito ricos, o rosto de Eric explicita isso, nada parece lhe atingir, ele sequer poderia morrer nesse ataque anunciado, nem viver a adrenalina dessa possibilidade, ele vive, tamanha proteção, tamanho aparato, tamanho isolamento. As pessoas que fazem parte do seu universo vão entrando e saindo do carro, pouco muda, as conversas não evoluem apesar das tentativas e dos constantes questionamentos do protagonista, os contatos parecem ser uma tentativa de estremecer algo mas nada evolui. Os personagens falam como que em uma peça, ou até mesmo como robóticos que proclamam, em algo que remete a filmes de Bresson ou de Nikolas Klotz. Isso, claro, até que Eric chegue ao outro lado da cidade, depois de se livrar daquela atmosfera que o imobiliza, que não o comove, que acaba por não lhe servir mais, apesar de que nunca esteja claro o que realmente ele sente ou deseja, talvez simplesmente se lançar no mundo, levar um tiro, deixar que o ataque que se anuncia aconteça. O que parece irromper sua realidade o instiga, o mobiliza, como na cena de sexo com a sua segurança em que Eric pede para que ela atire nele com sua arma de choque, para que ele sinta algo que ainda não sentiu, como se fosse preciso que algo o invadisse, só uma grande ruptura o salvaria, se é que há salvação. A ruptura acontece, ele deixa a limousine, vai até o cabeleleiro que lhe confere até um novo tom de voz, conversa banalidades com seu motorista, vai pra rua, quase é morto e é enfim confrontado sobre a sua posição e sobre a sua existência. Cronemberg cria um universo a ser invadido, a ser tensionado e suas imagens aos poucos vão violentando a realidade que ele vivia antes, a realidade da limousine, que no fim das contas, não era nada, não queria dizer nada a não ser um imenso e pesado vazio. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012



(Ulisses de Agnès Varda, 1982)

domingo, 23 de setembro de 2012




"Eu nunca vi o raio verde. Ouvi dizer que Rohmer, que filmou le rayon vert em 16 milímetros, câmera à mão e sem qualquer script prévio, gastou metade do pequeníssimo orçamento que teve a mandar segundas e terceiras equipas do filme para todos os pontos da costa francesa, a fim de filmar o raio verde. Vi o filme dezena de vezes e, seja ou não seja daltônico, nunca consegui ver o raio verde que Delphine viu no fim. Há um sol redondíssimo e amarelíssimo, há um mar todo azul, mas o verde eu não vi. Mas acredito que Delphine viu o raio verde, a partir desse plano, plano final do filme, outra Delphine existiu e uma espantosa história de amor começou. Se não é este o milagre do cinema, não sei nem o que é milagre nem o que é cinema.

Como Rohmer uma vez disse: No cinema, a imagem do mundo exterior forma-se automaticamente, sem a intervenção criadora do homem. Todas as artes estão fundadas sobre a presença do homem. Só no cinema fruímos de sua ausência."Le rayon vert, a obra mais mágica que os anos 80 me deram, é esta presença e é essa ausência."


(daqui)