@ tainah negreiros

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

todo quadro negro é todo negro
é todo negro
e eu escrevo seu nome nele
só pra demonstrar o meu apego
Essa noite sonhei com as crianças da Lumiar. A turma em um ônibus de viagem, depois em uma gincana. Cada vez mais só tenho sonhado com o que amo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Mais um belo dia na Lumiar. Daqueles em que tudo que pode ser bom é. A turma dividida em dois grupos, um defende argumentos da direita, outros da esquerda. O debate não podia ser mais acalorado e bem humorado. Lá é o lugar onde a leveza se instala, até nisso, até quando diz respeito a um tema como esse. Ríamos alto com os cacoetes dos dois lados, pendíamos mais pra um, claro, uma alegria.
Depois ganhei abraços, dei e ganhei carinhos, também um desenho, ouvi reivindicações da volta dos meus vestidos floridos,  recebi pedidos para ler escritos deles, ver videos, ouvir impressões. Eu me importo com as crianças,com as colegas e os colegas, elas se importam comigo. Daí surgem as melhores relações.

sábado, 26 de novembro de 2016

Como uma criança antes de a ensinarem a ser grande,
fui verdadeiro e fiel ao que vi e ouvi.

Alberto Caeiro

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Elle (Paul Verhoven, 2016)


"Sei que tenho uma capacidade de interpretar algo bastante opaco e ao mesmo tempo muito frágil." Disse Isabelle Huppert em entrevista há alguns anos, mas que se aplica mais uma vez a sua personagem em Elle, de Paul Verhoven.

Michéle, a personagem de Huppert, tem seu destino marcado por figuras masculinas terríveis ( o pai assassino, o estuprador) ou ridículas (o marido fracassado, o filho bobalhão, ou os profissionais vaidosos de games da sua produtora). No entanto, mesmo cercada e constituída por essas presenças, o filme inteiro gira em torno de suas vontades que se sobrepõe a essas figuras, tudo isso apresentado por Verhoven de modo que nos afaste de um julgamento e nos aproxime da humanidade da personagem. E não só ela, mas as mulheres do filme tem seus desejos bastante demarcados e cumpridos, mesmo que não queiram dizer exatamente o lhes seria melhor. A ambiguidade do querer também é tema desse filme e as personagens estão carregadas dela.

Michéle assegura que o jogo de videogame a ser desenvolvido será o que deseja, dorme com os homens que gostaria, persegue o que a violentou, diz o que pensa sobre o filho, tudo de uma maneira que ganha força pelo procedimento de atriz descrito por Isabelle no início.

O cineasta filma tudo variando entre uma absurda elegância, que Huppert estimula, e ecos de Wes Craven que deixam essa história de estupro ainda mais perturbadora. Reverberações encontradas nas belas casas inseguras com suas com portas de vidro, o perigo dentro dessas casas mesmas e a presença dos sustos-som que voltam com força e compõe esse cenário que cerca Michéle. "Ela". (Parece importante sairmos do imediato e traduzirmos o título do filme para o português assim bem simplesmente de modo a pensar como o filme pode ser sobre Ela, em torno dela, das questões dela, do passado dela, da mãe dela, do desejo dela.)

Pensei em Wes Craven com muito prazer, pensei também em Catherine Breillat, não só no último filme mas nessa demarcação de desejo feminina, nessa viagem ao profundo dos nossos quereres mesmos que não sejam o que soa melhor.

A certa altura há essa intrigante conversa entre Michéle e sua amiga Anna, a imensa Anne Consigny:

Anna
Senti vergonha mas não foi suficiente para não fazer aquilo.

Michéle
Vergonha não é algo forte o suficiente que nos impeça de fazer qualquer coisa.

Cito as duas personagens porque é na relação entre elas que mais me agarro com os olhos e coração ao filme.  Em meio às mentiras e questões mal-resolvidas há uma cumplicidade que atravessa e diz desses dois mundo que são postos. O masculino e o feminino.

Agora já no fim da escrita desse texto penso em Leonard Cohen, em "There is a war". " There is a war between the man and the woman." Pra falar dessa guerra cheia de acordos incompreensíveis no meio, Verhoven precisou de Huppert, de Consigny, o filme é também delas, do registro da radical satisfação de suas vontades.


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

domingo, 13 de novembro de 2016

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.

Alberto Caeiro
sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
as coisas não têm significação: têm existência.
as coisas são o único sentido oculto das coisas.

 Alberto Caeiro

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

there is a war between the rich and poor,
a war between the man and the woman. 
there is a war between the left and right,
a war between the black and white,
a war between the odd and the even. 
why don't you come on back to the war, pick up your tiny burden,
why don't you come on back to the war, let's all get even,
why don't you come on back to the war, can't you hear me speaking?

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Diários 1910-1924 - Franz Kafka

Esta perseguição a personagens secundárias que eu acho nos romances, nas peças de teatro, etc. Este sentimento de solidariedade que eu sinto em relação a ela! Nas Virgens de Bischofsberg cuida-se de duas costureiras que estão costurando a roupa branca da única casada de toda a peça. Que vida levam estas duas moças? Onde residem? Que teriam feito para que não gozassem o direito de surgir no transcurso da peça; abandonadas do lado de fora da arca de Noé, inteiramente afogadas sob a chuva do Dilúvio, poderão ainda, uma derradeira vez, comprimir o rosto contra a vigia, para que o espectador da platéia entreveja por um momento, além, qualquer coisa indistinta?

(16.12.1910)

(...) depois comi meu jantar de vegetariano, fiquei contente com a minha digestão e tive algumas apreensões no tocante a descobrir se a minha vida seria bastante para toda a duração da minha existência.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Dionísio: Estes mortais são mesmo divertidos.Nós sabemos as coisas e eles fazem-nas. Sem eles pergunto a mim mesmo o que seriam os dias. O que seríamos nós Olímpicos. Invocam-nos com as suas vozinhas, e dão-nos nomes.

Deméter: Eu existia antes deles, e posso dizer-te que estávamos sozinhos. A terra era selva, serpentes, tartarugas. Éramos a terra, o ar, a água. O que se podia fazer? Foi então queganhámos o hábito de ser eternos.

Dionísio: Isso com os homens não acontece.

Deméter: É verdade. Tudo que eles tocam torna-se tempo. Torna-se ação. Espera esperança. Até o seu morrer é alguma coisa.

Cesare Pavese (Diálogos com Leucó)