@ tainah negreiros

sábado, 25 de abril de 2009

sobre entender uma presença


Gullar estava ontem na tv
e enquanto acompanhava o que dizia
tentava entender sua presença
que quer dizer algo doce como sabedoria antiga
de quem viveu pra contar

mesmo quando a presença é em um programa como o que ele estava
mesmo quando fala de algo tão chato
como a reforma da língua portuguesa

e eu ficava olhando
e só conseguia pensar em josé, josé
josé de ribamar
e os outros tantos ribas no maranhão

acho que hoje sei o que me faz chorar
quando vejo josé na tv, quando vejo josé em seu poema
é que não esqueço o que ele disse
quando lhe perguntaram uma vez
quem era esse tal de Ferreira Gullar



Sou só um menino empinando pipa nas ruas de São Luís do Maranhão

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Cheiro de milho na cozinha
faz lembrar minha mãe
faz lembrar o que ela me ensinou sem saber
que preparar a comida também quer dizer amar
que o jeito que se escolhe as coisas para servir
é um carinho

e alimenta uma outra fome.
Nunca nos dissemos a palavra amor. Isso se deslizava, como de contrabando, quando dizíamos: "Chove", ou dizíamos: "Sinto-me bem" mas eu teria sido capaz de meter-lhe uma bala na memória para que não lembrasse nada de nenhum outro homem.

- Alguma vez - dizíamos- , quando as coisas mudarem.
- Vamos ter uma casa.
- Seria lindo.
Por algumas noites pudemos pensar atordoados, que era por isso que se lutava. Que para que isso fosse possível é que as pessoas se atiravam na luta.
Mas era uma trégua. Logo soubemos, ela e eu, que antes disso iríamos esquecer um ao outro ou morrer.

- Aqui ninguém encontrará você. Fica, até que as coisas mudem.
- As coisas mudam sozinhas?
- O que você vai fazer? A revolução?
- Eu sou uma formiguinha. As formiguinhas não fazem coisas tão grandes como a revolução ou a guerra. Levamos pedacinhos de folha ou mensagens. Ajudamos um pouco.
- Folhinhas, pode ser. Ficaram algumas plantas.
- E algumas pessoas.
- Sim. Os velhos, os milicos, os presos e os loucos.
- Não é bem assim.
- Você não quer que seja bem assim.
- Mas você quer me dizer como é que se acaba uma ditadura? Com flechinhas de papel?
- Com o quê, eu não sei.
- Daqui, se acaba com uma ditadura? Por controle remoto?
- A heróina solitária busca a morte. Não, não é machismo pequeno burguês. É feminismo.
- Sabe de uma coisa? Estamos todos desamparados.
- Sim.
- Todos. Desamparados.
- Sim. Mas eu gosto de você.

(Eduardo Galeano em A moça com a cicatriz no queixo )
(1974)

terça-feira, 14 de abril de 2009

Algumas coisas estão muito claras para mim quando começo um projeto. Neste filme, por exemplo, era óbvio para mim que eu queria dar uma outra imagem destes meninos. Eu estava convencido de que se você realmente ouve o que eles têm a dizer, eles são muito mais interessantes do que a maneira habitual com que a sociedade os observa. Essa era uma determinação de início para a construção do filme. A segunda era mostrar como a escola poderia de fato ajudar alguém a crescer. Que a escola como ela existe hoje não é algo descolado da sociedade, mas parte dela. Esses muros não a protegem da sociedade, as questões da sociedade lá fora atravessam o ambiente da escola. Esses dois pontos eu queria ilustrar com o filme. E, por outro lado, a história é sempre um ponto importante para mim, mesmo que às vezes ela seja mínima. Eu sempre tento lidar com essas questões fundamentais sem fornecer uma tese sobre elas. Quero mostrar a maneira como os personagens sofrem por algo, ou sentem esta coisa em suas vidas, o que é verdadeiro e diz respeito àqueles personagens, e não apenas “eu sei disso de antemão e direi isto através de você”. Eu não sei de nada, eles sabem.

Laurent Cantet, diretor de Entre os Muros da Escola

segunda-feira, 6 de abril de 2009

havia um gato
e uma cadela
os dois são ao contrário
não são meus
mas são
e ficaram perto, perto demais de mim
e falo isso hoje
porque dá pena o mundo sem eles.

quarta-feira, 1 de abril de 2009