@ tainah negreiros

domingo, 27 de abril de 2014

Não reconciliada (Ms. 45, de Abel Ferrara)




Em uma das primeiras sequências de Ms. 45 já temos uma situação bastante familiar para qualquer mulher: o assédio nas ruas mostrado de forma assustadora do ponto de vista da personagem de Zoe Tamerlis. Do modo como é mostrado pela câmera de Ferrara, não fica nenhuma dúvida da questão de poder e do terror que o gesto representa. Ferrara faz tudo de forma muito sintética, não há muito o que florear (com ele nunca há). Thana é assediada na rua e depois estuprada duas vezes. Da segunda, o criminoso não tem tanta sorte e a sua reação vai levar a intensa ruptura da protagonista, antes vista quieta e assustada quando confrontada com esse universo de violência. Ou seja, Ferrara e Tamerlis (com sua presença e seu pulso feminista, como afirmou o próprio Ferrara recentemente anos depois da morte da atriz), parecem se esforçar em dar a real medida de uma reação. Há um acúmulo que exige de Thana um radicalismo.
O filme se dedica a sua transformação física e de postura em relação ao mundo. Thana, que é muda, se tornará uma mulher subterrânea, noturna, talvez a sina de quem decida confrontar uma ordem de gênero estabelecida. Sua mudança remete a outro Ferrara, The Addiction, e seu modo de mostrar também uma ida radical em direção à margem e ao subterrâneo.
"It's no longer a man's world" e Thana tratará de deixar isso claro. Ferrara faz questão de mostrar que não se trata de uma virada de Thana para um mundo violento. É uma revanche focada, louca e alucinada fruto de um acúmulo, o que vemos parece se tratar de uma resposta a uma longa duração de violência de gênero recebida e que o filme de Ferrara concentra na sua curta passagem. A violência mostrada por Thana é direcionada aos homens e somente a eles como mostram as duas últimas sequências do filme quando Thana, mesmo ameaçada por uma mulher e pelo cachorro da vizinha, não reage na mesma medida em que vinha seguindo. A questão dela é de gênero e assim ela segue e, como em The Addiction, o caminho desse radicalismo marginal e de confronto é a catarse. Thana vai até o fim contra um mundo que ela não faz questão de se reconciliar.


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Um toque de pecado, de Jia Zhang Ke


Reagir violentamente? Arrebentar com tudo? Desistir? Se atirar do prédio? São todas as possibilidades mostradas no filme de Jia Zhang Ke diante de um universo desencantado. Temos uma China da mão de obra barata, das mulheres maltratadas, do trabalho mal pago, da poluição, da encruzilhada humana onde humano é coisa pouca. Contra ela e ao se voltar para ela o que Zhang Ke nos mostra é um vermelho vivo do sangue derramado e um inevitável radicalismo diante do nível de adoecimento que as sociedades do dinheiro e do trabalho promovem. Apesar de me referir a tudo que Zhang trata aqui de forma mais geral (porque ele chega a essas questões também e elas são fundamentais) o percurso de acompanhar cada uma das experiências que decidiu mostrar é que nos faz pensar sobre todas essas questões aterradoras contemporâneas, sobre essa sensação de que há algo de muito errado e que no filmes os personagens vão reagindo a sua maneira a isso. Da mulher apaixonada pelo homem casado, do seu encontro com ele, do seu perambular depois disso, da sua ida ao trabalho, das cenas de violência institucionalizadas que presencia, das agressões que vivencia, do modo como de todos os lados o mundo passa a lhe exigir uma reação até que ela reage, até que ela faz o que precisa. Há também o jovem encrencado, encurralado, de emprego em emprego, doloridíssimo. O que ele pode fazer dessa vida? Há algo de muito errado e alguns dos personagens de Zhang Ke reagem, outros não podem mais fazer nada.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Celebrar Aprile


Quando vi Aprile pela primeira vez eu estava terminando a escola, há dez anos. Na ocasião comprei o dvd do filme, vi, revi, revi também várias vezes com meus pais e hoje, em abril,  como em um ciclo, tudo que aquele filme representou pra mim me confronta como pessoa que vive e como pessoa que cria. Retomo tudo como quem diz: não gostaria de me voltar longamente para coisas odiosas, gostaria de dispor meus sentidos, mesmo que demande imenso trabalho e entrega, para celebrar algumas coisas, uma resistência, um colorido, uma beleza, assim mesmo como é o confeiteiro trotskista, na itália dos anos 1950, que Nanni Moretti decide filmar.

terça-feira, 1 de abril de 2014



Belle and Sebastian é banda da minha vida. Há um tempão que tenho de vontade de escrever longamente sobre isso, sobre espíritos infantis que se encontraram tão perfeitamente há mais de uma década. Pensei nisso hoje porque faz muito sentido que tanto tempo depois a banda  contribua pra uma ruptura, uma ruptura absolutamente necessária em tempos de ansiedade e excesso de futuro.

Culpa dessa canção e do acúmulo de tudo que o grupo representa pra mim, mas devo assinalar que essa lição de serenidade é mesmo das mais importantes do mundo.

E hoje percebo uma comovente conexão entre essa canção de ruptura de agora e a que inspirou o nome desse blog.