@ tainah negreiros

sábado, 23 de junho de 2012

Conto de Inverno


Mais uma vez vi "Conto de Inverno" e de novo estou aqui chorando de alegria como Félicie e a filha Elize.
Ainda me impressiona como esse filme é ao mesmo tempo tão simples e intrincado, dos mais intricados de todos. Rohmer o concebe partindo das imagens felizes do verão, de forma que elas pairem pelas demais imagens do filme, por todo o inverno, por todos os encontros de Félicie que virão.
É interessante perceber a delicadeza e o trabalho minucioso de Rohmer na construção das relações, seja na paixão, no colorido, no afeto, na sensação de suspensão que sentimos no encontro do verão, que vemos em uma sequência com o incomum uso de trilha sonora por Rohmer, como na construção da amizade amorosa com Loic, que remete a uma descoberta do mundo junto, como na bela conversa após a peça de Shakespeare. A relação com Loic é muito reveladora não só sobre o que Rohmer deseja construir com esse filme, mas com toda sua obra, na crença da percepção, da sensibilidade, do entendimento do belo e verdadeiro por qualquer um. Por isso que Loic ama Félicie, ele que aprende através dos livros, que vive a fé através da igreja, a ama porque ela é tudo isso trazido pra vida, ela é como um gato rebelde que faz o que o deseja, pra lá e pra cá zonza com seus afetos e com a persistência do seu jeito franco de viver. E o que Rohmer quer é sempre esse registro da vida, do que nela é matéria fina.
Não deixo de notar, contente, a forma de Rohmer com seu cinema, com a construção da intimidade, ou mesmo do desconforto, como vemos nos dias de mudança para Nevers, ou com a forma que ele nos diz de Shakespeare e Platão através da exarcebada verdade de Félicie. É enorme, é muito comovente.
Tudo isso que nos leva até o reencontro entre Félicie e Charles, o homem do verão. O que temos é a  persistência, a crença que parece sim, mover alguma coisa no mundo, comover, emocionar, contagiar, trazer de volta aquele que se ama pra perto e, enfim, a alegria, ou a imagem plena. Se há imagens de felicidade no cinema, da mais plena alegria, elas estão nesse filme, na ida ao parque, no reencontro, na volta pra casa até o choro de alegria, de todos nós.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Sexta feira à Noite




Acompanhar a obra de Claire Denis é fazer uma investigação sobre as superfícies, uma experiência radical com a pele, os corpos e os movimentos daqueles que ela decide filmar. A sua concepção passa pela dança, como vemos em "Bom Trabalho" e o constante balé que culmina na fascinante sequência final com Denis Lavant nos mostrando que o contrário de morrer é dançar; pela integridade do corpo, ou do olhar sempre que Alex Descas aparece na tela em qualquer um de seus filmes; pela forma como as pessoas se movem em um romance, a proximidade que a diretora promove desde os envolvimentos juvenis e intensos de "U.S Go Home", às fantasias do casal de "O Intruso", ou no reencontro violento e sensual dos personagens de Descas e Beatrice Dalle em "Noites sem dormir.
Em "Vendredi Soir", que só vi hoje, é um encontro romântico em meio a um dia de um grande congestionamento em Paris que traz o estranhamento necessário a cidade para que Denis a filme como deseja, concebendo-a a partir dessas sensações, dessas vivências dos lugares, da passagem do tempo na rua lotada, carros parados, pessoas que passam, aqueles que querem e rejeitam carona, e também na rua vazia no dia seguinte na belíssima cena em que Laure corre por ela.
"Vendredi Soir" revela uma série de excelentes escolhas que compõe esse conjunto hipnótico (hipnose que já vinhamos sentindo desde o começo, mas que com a aproximação dos dois, até o beijo, percebermos que já sentíamos). E acredito que esse estado de atenção e de latência que a diretora constrói reside para além da câmera colada, detalhada, às vezes desorientada nessa aproximação, ou da montagem minuciosa que acompanha os movimentos, mas também na pouca informação, sabemos quase nada deles, sabemos que ela está de mudança pra morar com alguém. Dele não sabemos nada a não ser que ela lhe dá carona. Os mínimos gestos desses dois desconhecidos, em meio a essa rua lotada de Paris, despertam a atenção em cada detalhe, entre o sumiço dele, entre a música que ela ouve na rádio, a mão dele que segura o cigarro, a dela que muda a estação, indica a direção a seguir, gestos, olhares, toques que nos levam a maravilhosa sequência do beijo em uma perfeição de montagem que compõe uma representação radical de proximidade, contato, de quase fusão de dois em um.