Os bons filmes, aquele que realmente fazem alguma diferença - que não se encerram em si mesmos - expressam sua grandeza logo nos primeiros minutos que acabamos de vê-los. Os primeiros gestos, os primeiros movimentos, as primeiras pequenas coisas que fazemos depois de vê-los ganham um novo sentido. Isso acontece após filmes do Pialat, de Rohmer, em um Cronemberg, em um filme de Claire Denis e nesse Abel Ferrara visto hoje. Tudo que veio depois, a tela luminosa do computador, a mensagem de um amigo no facebook lida enquanto começava a escrever esse texto, tudo ganha outro peso após o "fim do mundo" de Ferrara.
Desde as primeiras cenas de seus filmes, notamos sempre esse domínio do potencial da imagem, diretores como ele não desperdiçam, não tem nada a fazer a não ser o que querem realmente mostrar.
4:44 é um filme sobre o fim do mundo e quando o mundo está para acabar em 2013 o que fazemos? Corremos para a tela. As telas estão por toda parte no apartamento de Cisco (Willem Dafoe) e Skye (Shanyn Leigh). Nas telas de tv, computadores e celulares que vemos os últimos fiapos significativos (ou não) dessa vida por aqui, e toda sua falta de sentido. O fim do mundo de Ferrara nos confronta com as distâncias, resolvidas - ou desesperadamente vividas - com o uso do skype. Ouvir os sons desse programa e o uso dele no filme de Ferrara redesenha os contornos do mundo. Sim, eu uso o skype todo dia, ligo pros meus pais todo dia, ligo do skype para Arthur quando estou longe. Se o mundo fosse acabar talvez me atirasse na rua, dançasse até cansar, deitasse na grama, andasse bem devagar, mas provalvelmente, antes disso, entraria no skype, e como os personagens de Ferrara, beijaria a tela e as fotografias dos nossos amores, as imagens maravilhosas que criamos deles. Por que, afinal, como diz um monge em uma das cenas a que somos confrontados no filme: o que seria de nós sem essas imagens que inventamos e guardamos para sobreviver?
4:44 mostra um fim do mundo trágico e magnífico, como o azul e o roxo profundo das pinturas de Skye, em que vamos nos agarrando a imagens, contatos, presenças como modo de sobreviver mesmo nesse morrer um pouco de todo dia.