Mais uma vez vi "Conto de Inverno" e de novo estou aqui chorando de alegria como Félicie e a filha Elize.
Ainda me impressiona como esse filme é ao mesmo tempo tão simples e intrincado, dos mais intricados de todos. Rohmer o concebe partindo das imagens felizes do verão, de forma que elas pairem pelas demais imagens do filme, por todo o inverno, por todos os encontros de Félicie que virão.
É interessante perceber a delicadeza e o trabalho minucioso de Rohmer na construção das relações, seja na paixão, no colorido, no afeto, na sensação de suspensão que sentimos no encontro do verão, que vemos em uma sequência com o incomum uso de trilha sonora por Rohmer, como na construção da amizade amorosa com Loic, que remete a uma descoberta do mundo junto, como na bela conversa após a peça de Shakespeare. A relação com Loic é muito reveladora não só sobre o que Rohmer deseja construir com esse filme, mas com toda sua obra, na crença da percepção, da sensibilidade, do entendimento do belo e verdadeiro por qualquer um. Por isso que Loic ama Félicie, ele que aprende através dos livros, que vive a fé através da igreja, a ama porque ela é tudo isso trazido pra vida, ela é como um gato rebelde que faz o que o deseja, pra lá e pra cá zonza com seus afetos e com a persistência do seu jeito franco de viver. E o que Rohmer quer é sempre esse registro da vida, do que nela é matéria fina.
Não deixo de notar, contente, a forma de Rohmer com seu cinema, com a construção da intimidade, ou mesmo do desconforto, como vemos nos dias de mudança para Nevers, ou com a forma que ele nos diz de Shakespeare e Platão através da exarcebada verdade de Félicie. É enorme, é muito comovente.
Tudo isso que nos leva até o reencontro entre Félicie e Charles, o homem do verão. O que temos é a persistência, a crença que parece sim, mover alguma coisa no mundo, comover, emocionar, contagiar, trazer de volta aquele que se ama pra perto e, enfim, a alegria, ou a imagem plena. Se há imagens de felicidade no cinema, da mais plena alegria, elas estão nesse filme, na ida ao parque, no reencontro, na volta pra casa até o choro de alegria, de todos nós.