Em recente entrevista, Jean Pierre e Luc Dardenne falaram sobre sua relação com o diretor Maurice Pialat e disseram que quando pensam em "Aos Nossos Amores" há um remetimento imediato àquele vermelho do filme. Com o seu "O Garoto da Bicicleta" também temos um vermelho profundo em movimento, um pequeno menino sempre vestido dessa cor e sua ira com esse mundo que parece não lhe querer.
Por alguma razão demorei muito pra ver esse Dardenne, não sei bem explicar mas desconfio que tenha sido pelo receio da tristeza pungente da falta de jeito das coisas que povoavam seus outros filmes, que mesmo eu sempre tendo achado muito bons, mas que de alguma forma eu tentava adiar.
A surpresa é que parece que a tristeza não durará para sempre para os dois diretores - aqui fazendo mais uma referência ao onipresente Pialat - isso porque o encontro que se dá no filme é um lugar de esperança e é bela a maneira como é filmado. No orfanato em que vive, quando foge dos orientadores em um dia de fúria por não conseguir achar seu pai que o abandonou, o menino Cyril se agarra em Samantha. Esse gesto que vemos de muito perto vai durar porque de fato aconteceu um encontro. É nesse encontro que os personagens se agarram apesar da dificuldade de tudo que os cerca.
O que se sucede tem a ver com o cinema dos Dardenne que já conhecemos, uma dureza da vida e o modo como os corpos respondem a essa aridez. Violência, rejeição, desconfiança. É assim o menino Cyril, vivido pelo assombroso Thomas Doret, até encontrar a cabeleleira Samantha, no belo e delicado trabalho de Cécile de France, e sua imensa generosidade e disposição para construir essa relação. Ela que leva o menino para morar com ela, não desiste desse pequeno, raivoso, vermelho e sua ira mesmo quando ele se envolve em experiências de extrema violência como bater no jornaleiro e em seu filho num assalto. Ela não desiste e ele percebe que alguém no mundo não o rejeitou, então pode ser que o mundo não seja tão mal assim. Esse encontro esperançoso é reforçado pelos momentos em que vemos os dois juntos, na alegria que transparecem na companhia um do outro.
Na (belíssima) cena final em que Cyril apanha do garoto que ele bateu no assalto, em que poderia haver uma brecha para a desesperança ou para o trágico, o que vemos é uma tomada de decisão dos Dardenne, evidente no gesto de Cyril. Após apanhar ele não revida, ele levanta do chão e o que vemos é alguém que só quer voltar pra casa e faz isso montado em sua bicicleta.
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