@ tainah negreiros

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A vida de Adèle


Na primeira parte de "Azul é a cor mais quente" ficamos presos na escolha de Kechiche por filmar tudo de uma proximidade extrema. O que vemos: um dia depois do outro da vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos), através de seu rosto, sua nuca, seus pequenos gestos, seu andar, levantar de calças, abrir de boca, tudo, o cotidiano escolar, a aproximação e o sexo com um colega, a corrida até o ônibus, o plano já batido da jovem encostada na janela, o modo como a luz recai sobre ela e sobre alguma coisa ou outra em torno dela. Belezas. Algumas puramente plásticas e muitas belezas dessa construção juvenil da inadequeção. Aspectos que despertam o interesse mas ao mesmo tempo afastam. Onde esse olhar até ali mostrado poderia levar?  O filme parecia ser  repleto de coisas para desagradar, principalmente o modo como Kechiche filma o corpo de Adèle na primeira parte que expõe um fetichismo repetitivo e, por vezes, grosseiro. O que dá sentido à crítica feminista feita ao filme. Mas por sorte, e por Kechiche ter bem mais a mostrar que tudo isso, o filme vai ganhando vigor, verdade e peso a medida que segue. A vida segue.
O que passamos a ver é o encontro com Emma (Léa Seydoux), a aproximação, o acúmulo de desejo, de interesse - as badaladas cenas de sexos, por sinal, contribuem na construção desse peso da aproximação e no significado desse encontro para Adèle - o desvio primoroso de picuinhas escolares e familiares para a vida delas, os encontros com amigos, o sexo delas, o tédio delas e, acima de tudo, os momentos em que Adèle está sozinha em meio a tudo isso. Me chamou particular atenção o modo como Kechiche filma a fase de Adèle depois da escola, no trabalho como professora primária, o cotidiano daquele trabalho, sua cara de sono, sua satisfação, seu cansaço, sua vivacidade. Nesse momento Kechiche atinge algo a mais na filmagem do gesto. A câmera a essa altura não está colada no seu nariz nem em sua boca mas Adèle  mesmo assim está perto demais de nós. É muito curioso e bom vê-la como professora sabendo e acompanhando o peso da suas experiências de paixão, os lugares onde ela leva sua paixão, Adèle aqui e ali. O filme parece se afastar da construção dos "moranguitos de autor" para se aproximar do que é vida no encontro delas, nesse inevitável trágico da paixão e em tudo que o desejo e vivacidade de Adèle emana.

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