Em uma das primeiras sequências de Ms. 45 já temos uma situação bastante familiar para qualquer mulher: o assédio nas ruas mostrado de forma assustadora do ponto de vista da personagem de Zoe Tamerlis. Do modo como é mostrado pela câmera de Ferrara, não fica nenhuma dúvida da questão de poder e do terror que o gesto representa. Ferrara faz tudo de forma muito sintética, não há muito o que florear (com ele nunca há). Thana é assediada na rua e depois estuprada duas vezes. Da segunda, o criminoso não tem tanta sorte e a sua reação vai levar a intensa ruptura da protagonista, antes vista quieta e assustada quando confrontada com esse universo de violência. Ou seja, Ferrara e Tamerlis (com sua presença e seu pulso feminista, como afirmou o próprio Ferrara recentemente anos depois da morte da atriz), parecem se esforçar em dar a real medida de uma reação. Há um acúmulo que exige de Thana um radicalismo.
O filme se dedica a sua transformação física e de postura em relação ao mundo. Thana, que é muda, se tornará uma mulher subterrânea, noturna, talvez a sina de quem decida confrontar uma ordem de gênero estabelecida. Sua mudança remete a outro Ferrara, The Addiction, e seu modo de mostrar também uma ida radical em direção à margem e ao subterrâneo.
"It's no longer a man's world" e Thana tratará de deixar isso claro. Ferrara faz questão de mostrar que não se trata de uma virada de Thana para um mundo violento. É uma revanche focada, louca e alucinada fruto de um acúmulo, o que vemos parece se tratar de uma resposta a uma longa duração de violência de gênero recebida e que o filme de Ferrara concentra na sua curta passagem. A violência mostrada por Thana é direcionada aos homens e somente a eles como mostram as duas últimas sequências do filme quando Thana, mesmo ameaçada por uma mulher e pelo cachorro da vizinha, não reage na mesma medida em que vinha seguindo. A questão dela é de gênero e assim ela segue e, como em The Addiction, o caminho desse radicalismo marginal e de confronto é a catarse. Thana vai até o fim contra um mundo que ela não faz questão de se reconciliar.
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