@ tainah negreiros

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Elle (Paul Verhoven, 2016)


"Sei que tenho uma capacidade de interpretar algo bastante opaco e ao mesmo tempo muito frágil." Disse Isabelle Huppert em entrevista há alguns anos, mas que se aplica mais uma vez a sua personagem em Elle, de Paul Verhoven.

Michéle, a personagem de Huppert, tem seu destino marcado por figuras masculinas terríveis ( o pai assassino, o estuprador) ou ridículas (o marido fracassado, o filho bobalhão, ou os profissionais vaidosos de games da sua produtora). No entanto, mesmo cercada e constituída por essas presenças, o filme inteiro gira em torno de suas vontades que se sobrepõe a essas figuras, tudo isso apresentado por Verhoven de modo que nos afaste de um julgamento e nos aproxime da humanidade da personagem. E não só ela, mas as mulheres do filme tem seus desejos bastante demarcados e cumpridos, mesmo que não queiram dizer exatamente o lhes seria melhor. A ambiguidade do querer também é tema desse filme e as personagens estão carregadas dela.

Michéle assegura que o jogo de videogame a ser desenvolvido será o que deseja, dorme com os homens que gostaria, persegue o que a violentou, diz o que pensa sobre o filho, tudo de uma maneira que ganha força pelo procedimento de atriz descrito por Isabelle no início.

O cineasta filma tudo variando entre uma absurda elegância, que Huppert estimula, e ecos de Wes Craven que deixam essa história de estupro ainda mais perturbadora. Reverberações encontradas nas belas casas inseguras com suas com portas de vidro, o perigo dentro dessas casas mesmas e a presença dos sustos-som que voltam com força e compõe esse cenário que cerca Michéle. "Ela". (Parece importante sairmos do imediato e traduzirmos o título do filme para o português assim bem simplesmente de modo a pensar como o filme pode ser sobre Ela, em torno dela, das questões dela, do passado dela, da mãe dela, do desejo dela.)

Pensei em Wes Craven com muito prazer, pensei também em Catherine Breillat, não só no último filme mas nessa demarcação de desejo feminina, nessa viagem ao profundo dos nossos quereres mesmos que não sejam o que soa melhor.

A certa altura há essa intrigante conversa entre Michéle e sua amiga Anna, a imensa Anne Consigny:

Anna
Senti vergonha mas não foi suficiente para não fazer aquilo.

Michéle
Vergonha não é algo forte o suficiente que nos impeça de fazer qualquer coisa.

Cito as duas personagens porque é na relação entre elas que mais me agarro com os olhos e coração ao filme.  Em meio às mentiras e questões mal-resolvidas há uma cumplicidade que atravessa e diz desses dois mundo que são postos. O masculino e o feminino.

Agora já no fim da escrita desse texto penso em Leonard Cohen, em "There is a war". " There is a war between the man and the woman." Pra falar dessa guerra cheia de acordos incompreensíveis no meio, Verhoven precisou de Huppert, de Consigny, o filme é também delas, do registro da radical satisfação de suas vontades.


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