Os imensos filmes alteram completamente a cinética e a percepção de quem os vê logo em seguida. Depois de ver "La Belle Noiseuse" tive vontade de comer algo gostoso e belo ao mesmo tempo. No mesmo dia em que vi "La Belle Noiseuse" eu comi figo fresco pela primeira vez e fiz uma torta de figo adocicada e salgada. Fiz bem devagar como que afetada pelo estado de integridade do gesto, do ímpeto e da construção que Jacques Rivette opera em parceria com Jane Birkin, Emmanuelle Béart, Michel Piccoli, William Lubtchansky, Emmanuel de Chauvigny, Christine Laurent, Pascal Bonitzer e Igor Stravinski. Com esse filme há sempre a sensação de enormidade das capacidades do cinema. O que o tempo e maneira do filme faz com o gesto do artista? O que o tempo e a construção fazem com a percepção que temos do corpo de Marianne e de Marianne além do corpo? E em quem ela, para além do corpo pintado visto, contorcido e retratado, vai se transformar menos e mais encoberta fisicamente e metaforicamente? Como através do que constrói Rivette conseguimos intuir a força, vulnerabilidade e crueldade de Liz e tudo que está implicado no encontro e na possível perda de Fenhofer? Como, em meio a centralidade do gesto e da criação de Fenhofer, Rivette sublinha uma conexão e os olhares das mulheres sempre retratadas, as trocas misteriosas entre elas. Que tipo de coisas elas criam? O que elas criam ali cria também para o cinema? É um assombro o que o filme descortina e não descortina jamais.
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