Trata-se do retrato impossível de alguém que não pára de mudar, um retrato em fuga, um esforço de aura, a captura que não pode ser. Toda a primeira parte em que Marianne tem que pintar Héloise sem que ela saiba, de memória, faz com que "Retrato de uma jovem em chamas" dialogue com a dança. Não me refiro somente ao acompanhar e ao esmiuçar do gesto, mas ao vínculo da pintura e da dança como artes de memória, dadas essas condições. Existe algo a ser recomposto, recriado, algo sempre imperfeito diante do fugidio que acabou de passar, na total indissociação pré-moderna do gesto humano. Com isso posto, o filme constrói uma imobilidade somente aparente nas conversas, nas aproximações, no acompanhar, sendo que o que está apresentado é o esforço do registro de um movimento interno. Héloise deseja que seja visto e registrado por Marianne o fato de que ela muda, se movimenta, que dentro de si, acima de tudo, há o desejo do transformação. Daí só possível um retrato que ela queime, por dentro.
Se pensarmos na tradição da representação das mulheres na pintura, e no cinema, é revigorante ver um filme que se debruça por duas horas em que mulheres se vêem e que são vistas por outras mulheres, que registram esse ver, que esmiuçam essas possibilidades. Trata-se de uns dos grandes trunfos do filme de Sciamma.
Enquanto assistia, temi muitas vezes que a beleza excessiva, pelo tema plástico posto, tornasse o filme estéril, mas ele se revela muito maior na construção desse mundo de mulheres (radicalmente, não há homens personagens no filme), naquele cenário pacífico de revelações tranquilas. São cinco dias de um ideal. Ideal do amor que tem tempo para nascer, ideal da mulher que pode recusar uma nova maternidade, ideal de correr ao ar livre.
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