A repercussão dada aos acontecimentos como o caso dos meninos no shopping e os arrastões no rio me fazem pensar em algo mostrado com primor em "O Som ao Redor": imagens de invasão e a sensação de invasão. Esse episódios são sempre tratados com esse teor, a partir da lógica de um mundo ameaçado. O filme de Kléber Mendonça Filho nos ajuda a indagar essa sensação criada de que há "um mundo em perigo", um mundo branco, asséptico, fingido, trancafiado, ameaçado por um mundo negro fantasmagórico, como está presente na impressionante sequência do sonho no filme em que vemos jovens negros pulando o muro sem parar, que remetem às imagens jornalísticas ou amadoras dos arrastões no rio e dos jovens no shopping. São silhuetas da ameaça, não mais pessoas, algo como sombras atrás da porta, como vemos também no filme. É possível perceber a lógica da ameaça e da invasão indo mais longe, algo que está presente também nos discursos anti-cotas raciais e para alunos de escola pública, está presente também nos reclames sobre os aeroportos cheios, nos carros blindados, nos muros altos, nas cercas elétricas. Segue a tragédia da cerca.
@ tainah negreiros
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Os meninos no shopping, os arrastões no rio, as cercas e "O Som ao Redor"
A repercussão dada aos acontecimentos como o caso dos meninos no shopping e os arrastões no rio me fazem pensar em algo mostrado com primor em "O Som ao Redor": imagens de invasão e a sensação de invasão. Esse episódios são sempre tratados com esse teor, a partir da lógica de um mundo ameaçado. O filme de Kléber Mendonça Filho nos ajuda a indagar essa sensação criada de que há "um mundo em perigo", um mundo branco, asséptico, fingido, trancafiado, ameaçado por um mundo negro fantasmagórico, como está presente na impressionante sequência do sonho no filme em que vemos jovens negros pulando o muro sem parar, que remetem às imagens jornalísticas ou amadoras dos arrastões no rio e dos jovens no shopping. São silhuetas da ameaça, não mais pessoas, algo como sombras atrás da porta, como vemos também no filme. É possível perceber a lógica da ameaça e da invasão indo mais longe, algo que está presente também nos discursos anti-cotas raciais e para alunos de escola pública, está presente também nos reclames sobre os aeroportos cheios, nos carros blindados, nos muros altos, nas cercas elétricas. Segue a tragédia da cerca.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
A vida de Adèle
Na primeira parte de "Azul é a cor mais quente" ficamos presos na escolha de Kechiche por filmar tudo de uma proximidade extrema. O que vemos: um dia depois do outro da vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos), através de seu rosto, sua nuca, seus pequenos gestos, seu andar, levantar de calças, abrir de boca, tudo, o cotidiano escolar, a aproximação e o sexo com um colega, a corrida até o ônibus, o plano já batido da jovem encostada na janela, o modo como a luz recai sobre ela e sobre alguma coisa ou outra em torno dela. Belezas. Algumas puramente plásticas e muitas belezas dessa construção juvenil da inadequeção. Aspectos que despertam o interesse mas ao mesmo tempo afastam. Onde esse olhar até ali mostrado poderia levar? O filme parecia ser repleto de coisas para desagradar, principalmente o modo como Kechiche filma o corpo de Adèle na primeira parte que expõe um fetichismo repetitivo e, por vezes, grosseiro. O que dá sentido à crítica feminista feita ao filme. Mas por sorte, e por Kechiche ter bem mais a mostrar que tudo isso, o filme vai ganhando vigor, verdade e peso a medida que segue. A vida segue.
O que passamos a ver é o encontro com Emma (Léa Seydoux), a aproximação, o acúmulo de desejo, de interesse - as badaladas cenas de sexos, por sinal, contribuem na construção desse peso da aproximação e no significado desse encontro para Adèle - o desvio primoroso de picuinhas escolares e familiares para a vida delas, os encontros com amigos, o sexo delas, o tédio delas e, acima de tudo, os momentos em que Adèle está sozinha em meio a tudo isso. Me chamou particular atenção o modo como Kechiche filma a fase de Adèle depois da escola, no trabalho como professora primária, o cotidiano daquele trabalho, sua cara de sono, sua satisfação, seu cansaço, sua vivacidade. Nesse momento Kechiche atinge algo a mais na filmagem do gesto. A câmera a essa altura não está colada no seu nariz nem em sua boca mas Adèle mesmo assim está perto demais de nós. É muito curioso e bom vê-la como professora sabendo e acompanhando o peso da suas experiências de paixão, os lugares onde ela leva sua paixão, Adèle aqui e ali. O filme parece se afastar da construção dos "moranguitos de autor" para se aproximar do que é vida no encontro delas, nesse inevitável trágico da paixão e em tudo que o desejo e vivacidade de Adèle emana.
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
O cinema de Ozu e as dimensões do apego
Ozus exibidos em película em Curitiba fazem dessa a ocasião para celebrar com algumas palavras a obra do diretor japonês.
Vim correndo do trabalho pra casa porque comecei a pensar no que gostaria de dizer e percebi que lugar de "escrever" texto sobre Ozu é mesmo na rua, enquanto caminho sob o sol depois de um dia de chuva como esse.
Seria possível começar aqui falando de sua precisão, da construção minuciosa dos planos, do conjunto, no que se parece com um artesanato, mas gostaria de falar mesmo daquilo que tenho dificuldade de esquecer em seus filmes, que é o cinema dedicado a mostrar o apego e suas dimensões, ou o que o tempo faz com as nossas relações com os outros, principalmente com os familiares. O diretor nos propõe um olhar que rompe com certos aspectos um tanto dados sobre esses contatos, nos mostrando o que há de encantador, o que há na beleza das conexões mas também no que existe de trágico na formação de laços.
É intrigante como Ozu constrói seus dramas porque na mesma medida que fala de família, das ligações e frustações, nos mostra relações paralelas com quem não faz parte da família obviamente, mas faz por afeição, por um senso coletivo de vizinhança e amizade. Como a Noriko de "Viagem à Tóquio" e toda a gentileza de servir mesmo tendo quase nada para oferecer, ou na partilha comovente do "Filho Único" com a vizinha e o filho dela. Difícil esquecer essa solidariedade genuína dos seus personagens, principalmente daqueles que menos tem, algo que aumenta a conexão dele com um diretor apaixonado pelo seu cinema que é Pedro Costa. A precisão, as luzes e sombras estão lá e é difícil ignorar as referências, mas está também essa solidariedade das margens nesse Japão dolorido no pós guerra, que tanto ecoa na obra do diretor português.
Há algo de hipnótico nos gestos dos personagens de Ozu, nos passos, no colocar dos sapatos, no transitar pelas casas japonesas, suas camadas, mostradas na sua profundidade. Falo de vários aspectos mas tudo parece levar ao modo sorridente dos seus personagens falarem das coisas mais difíceis, ou aos inesquecíveis sorrisos chorosos de Setsuko Hara. Parece que está tudo lá naquela presença, no rosto sorridente quando Noriko diz, em "Viagem à Tóquio", que a vida é mesmo decepcionante, nessa coexistência dolorosa entre partir e ficar próximo de quem se ama.
sábado, 16 de novembro de 2013
they clear the table, dance, and do the dishes
"É, dentro de sua carreira, um dos filmes mais ferrenhamente devotados aos personagens, ao universo cênico e às operações dramatúrgicas que propõe; um dos filmes mais cúmplices de seus possíveis exageros também (uma cena em que a família canta e dança, vestida à caráter para uma festinha de aniversário, James Taylor - a canção é Fire and Rain - é de um radicalismo da ternura quase constrangedor de tão belo) e muito provavelmente um dos grandes filmes feitos nos Estados Unidos em 1988."
(daqui e daqui )
sábado, 7 de setembro de 2013
"Foi então que tive a idéia de apresentar M. Hulot, personagem de uma independência completa, de um desinteresse absoluto e de quem a distração, que é seu principal defeito, em nossa época funcional faz um inadaptado."
(daqui)
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
sábado, 3 de agosto de 2013
quarta-feira, 31 de julho de 2013
Da nuvem à resistência
Voltei do trabalho hoje em passos tão lentos que quem passava por mim na rua reparava. A verdade é que queria aproveitar o sol depois da semana mais fria do mundo, estou sozinha em casa e queria adiar um pouco mais a arrumação que tinha deixado pra fazer. Passei na cafeteria-livraria e dei de cara com "Diálogos com Leuco", de Cesare Pavese, aquele texto mesmo que foi rejeitado pela crítica da época mas que Danièle Huillet e Jean Marie Straub viram potencial maravilhoso para colocar na boca de seus personagens. Dei de cara com uma passagem que me fez entender o porquê:
"A Nuvem: Nem o sol, nem a água, Ixion. O destino do homem mudou. Existem monstros. Um limite é imposto sobre você homem. A água, o vento, a rocha e a nuvem não são mais coisas suas. Você não pode mais pressioná-los contra você, gerando e vivendo. Outras mãos, de agora em diante, seguram o mundo. Há uma lei, Ixion".
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Apesar do frio
Manhã gelada em Curitiba. Penso na personagem Mona, de Agnès Varda e Sandrine Bonnaire no filme "Sem Teto e Sem Lei". Penso em sua sobrevivência, na rigorosa e libertária decisão de ser solta no mundo, de ser andarilha, de não se ligar em nada, nem emprego, nem família, nem paixões, tudo isso em pleno inverno. Com o frio entendo mais ainda a coragem dessa decisão, a potência e a beleza desse filme de Agnès Varda.
Nessa manhã lembro especialmente de um dos encontros de Mona no seu percurso, do trabalhador que compartilha do pouco que tem com ela e lamenta quando ela parte. Depois disso vemos somente o cachecol vermelho dela em cima de uma calçada. É isso, Mona é essa presença e ausência vermelha que não nos larga.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
Civilização Antiga
(...) Rapazes não se veem na rua. O rapaz está só
e repara que todos são homens, mulheres que não veem o que ele está vendo e caminham depressa.
Mas este homem trabalha. O rapaz o observa
e não entende que o homem trabalhe na rua,
agachado, no chão, como faz um mendigo.
Mesmo os outros que passam parecem absortos,
concentrados em algo, e ninguém lança a vista
para trás ou para frente, ao longo da estrada.
Se a rua é de todos, pois há que gozá-la
sem fazer outra coisa, olhando ao redor,
ora à sombra ora ao sol, no suave frescor.
Cesare Pavese, na obra Trabalhar Cansa
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Trust, de Hal Hartley
Trust nos traz algo de despreparo, talvez pelo sorriso dos personagens que não vem ou pelo modo de não se encaixarem. Não são da família, nem do trabalho, nem da escola, de lugar nenhum. Só vi o filme essa semana e posso dizer que foi um dos que mais me fez sentir confrontada, é das poucas coisas que consigo dizer sobre ele no momento. No mais o que temos é a desorientação, o desespero, e a retidão dos personagens mesmo quando a vida parece não fazer nenhum sentido. A retidão e seriedade de Maria e Mathew me parece ser o que há de mais comovente nesse filme que ainda tem muito o que se descobrir.
Há um cansaço nos personagens que vem das repetições dolorosas da vida, fruto principalmente do trabalho e da família. A vida e o cinema são uma luta obscura e difícil, como já nos disse Pascal Bonitzer. Trust é sobre isso, sobre se reconhecer e se unir nessa luta de todo dia que é ir vivendo.
trabalhar cansa (ou poemas para as manhãs)
"a manhã enfraquece e derruba quem acorda somente e percorre com vida esses campos."
"aparece um roceiro
com a enxada ao pescoço, enxugando-se a boca.
Nem seque se desvia, ultrapassa o primeiro:
há um campo que é seu e precisa de força."
Cesare Pavese
"aparece um roceiro
com a enxada ao pescoço, enxugando-se a boca.
Nem seque se desvia, ultrapassa o primeiro:
há um campo que é seu e precisa de força."
Cesare Pavese
quarta-feira, 17 de julho de 2013
Antes da Meia Noite, de Richard Linklater
A canção de Daniel Johnston que encerra "Antes do Amanhecer", cantada por Kathy McCarthy, parecia anunciar o que veríamos nesse "Antes da Meia-Noite":"hold me like a mother would, like I always knew somebody should, though tomorrow don't look that good". Nos dois filmes há a preocupação com o peso do tempo e nesse filme ele é mais uma vez esmiuçado em algumas horas que acompanhamos o casal. É admirável esse desejo do diretor e equipe de seguir com eles e mais uma vez partilhamos disso. Partilhar define o interesse que temos por essas experiências de amor dos dois.
O percurso do filme pelas frustações, pelas dolorosas brigas dos dois e redescobertas nos leva mais uma vez a Daniel Johnston e sua bela e desajeitada canção que o nome talvez dê a chave da beleza do filme e do desembocar dele. Jesse e Celine se debatem sobre o que foram, o que vivem agora entre o o desespero e o riso e parecem chegar a conclusão de que ir vivendo tem sua graça mesmo em meio a confusão dos 40 anos com filhos. A canção de Daniel Johnston se chama Living Life.
segunda-feira, 8 de julho de 2013
sexta-feira, 28 de junho de 2013
domingo, 23 de junho de 2013
Vermelho profundo - O garoto da bicicleta, de Jean Pierre e Luc Dardenne
Em recente entrevista, Jean Pierre e Luc Dardenne falaram sobre sua relação com o diretor Maurice Pialat e disseram que quando pensam em "Aos Nossos Amores" há um remetimento imediato àquele vermelho do filme. Com o seu "O Garoto da Bicicleta" também temos um vermelho profundo em movimento, um pequeno menino sempre vestido dessa cor e sua ira com esse mundo que parece não lhe querer.
Por alguma razão demorei muito pra ver esse Dardenne, não sei bem explicar mas desconfio que tenha sido pelo receio da tristeza pungente da falta de jeito das coisas que povoavam seus outros filmes, que mesmo eu sempre tendo achado muito bons, mas que de alguma forma eu tentava adiar.
A surpresa é que parece que a tristeza não durará para sempre para os dois diretores - aqui fazendo mais uma referência ao onipresente Pialat - isso porque o encontro que se dá no filme é um lugar de esperança e é bela a maneira como é filmado. No orfanato em que vive, quando foge dos orientadores em um dia de fúria por não conseguir achar seu pai que o abandonou, o menino Cyril se agarra em Samantha. Esse gesto que vemos de muito perto vai durar porque de fato aconteceu um encontro. É nesse encontro que os personagens se agarram apesar da dificuldade de tudo que os cerca.
O que se sucede tem a ver com o cinema dos Dardenne que já conhecemos, uma dureza da vida e o modo como os corpos respondem a essa aridez. Violência, rejeição, desconfiança. É assim o menino Cyril, vivido pelo assombroso Thomas Doret, até encontrar a cabeleleira Samantha, no belo e delicado trabalho de Cécile de France, e sua imensa generosidade e disposição para construir essa relação. Ela que leva o menino para morar com ela, não desiste desse pequeno, raivoso, vermelho e sua ira mesmo quando ele se envolve em experiências de extrema violência como bater no jornaleiro e em seu filho num assalto. Ela não desiste e ele percebe que alguém no mundo não o rejeitou, então pode ser que o mundo não seja tão mal assim. Esse encontro esperançoso é reforçado pelos momentos em que vemos os dois juntos, na alegria que transparecem na companhia um do outro.
Na (belíssima) cena final em que Cyril apanha do garoto que ele bateu no assalto, em que poderia haver uma brecha para a desesperança ou para o trágico, o que vemos é uma tomada de decisão dos Dardenne, evidente no gesto de Cyril. Após apanhar ele não revida, ele levanta do chão e o que vemos é alguém que só quer voltar pra casa e faz isso montado em sua bicicleta.
sábado, 22 de junho de 2013
sexta-feira, 21 de junho de 2013
Da necessidade de tomar posição
Um rabisco fruto da dificuldade de dizer algo sobre as experiências das últimas semanas, até porque elas talvez sejam mais diversas do que parecem pelas cidades do Brasil.
Tudo que teria a dizer tem o elemento confuso composto da empolgação primeira e da imensa solidariedade com um movimento que parte pra rua contra o aumento da passagem de ônibus, - como o que vivemos no último ano em Teresina e do qual participei - e que foi ganhando outros contornos com seu crescimento, em que agora parece saltar aos olhos somente as discordâncias com cartazes, bandeiras e a falta delas. Mas são as pessoas na rua, é desconfortável demais ser contra elas, é como se fosse uma tomada do que é realmente de todos. Ao mesmo tempo essa tomada tem gritos equivocados altíssimos que geram extremo incômodo.
Estes são meus elementos de confusão.
Oferecer a confusão também é importante e, mesmo com ela, muitas vezes há a necessidade de se tomar posição como a que tomo contra a quebra de bandeiras de partidos e movimentos sociais de esquerda que estão na luta de todo dia há tanto tempo. Gostaria de colocar também que não partilho dessa "endireitação" dos protestos que se voltam contra os movimentos sociais que incluem manifestações contra causas como o aborto, como os direitos das minorias. Tudo isso é mostra destes caminhos que os movimentos vão tomando e que devemos discutir sem cansar, apesar da exaustão da semana, muito fruto da disputa de discursos entre a mídia e o que se via mesmo na rua, que por sorte, as mídias alternativas ajudaram a difundir.
Tudo que teria a dizer tem o elemento confuso composto da empolgação primeira e da imensa solidariedade com um movimento que parte pra rua contra o aumento da passagem de ônibus, - como o que vivemos no último ano em Teresina e do qual participei - e que foi ganhando outros contornos com seu crescimento, em que agora parece saltar aos olhos somente as discordâncias com cartazes, bandeiras e a falta delas. Mas são as pessoas na rua, é desconfortável demais ser contra elas, é como se fosse uma tomada do que é realmente de todos. Ao mesmo tempo essa tomada tem gritos equivocados altíssimos que geram extremo incômodo.
Estes são meus elementos de confusão.
Oferecer a confusão também é importante e, mesmo com ela, muitas vezes há a necessidade de se tomar posição como a que tomo contra a quebra de bandeiras de partidos e movimentos sociais de esquerda que estão na luta de todo dia há tanto tempo. Gostaria de colocar também que não partilho dessa "endireitação" dos protestos que se voltam contra os movimentos sociais que incluem manifestações contra causas como o aborto, como os direitos das minorias. Tudo isso é mostra destes caminhos que os movimentos vão tomando e que devemos discutir sem cansar, apesar da exaustão da semana, muito fruto da disputa de discursos entre a mídia e o que se via mesmo na rua, que por sorte, as mídias alternativas ajudaram a difundir.
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Cedo demais, tarde demais - Notas sobre 4:44, de Abel Ferrara
Os bons filmes, aquele que realmente fazem alguma diferença - que não se encerram em si mesmos - expressam sua grandeza logo nos primeiros minutos que acabamos de vê-los. Os primeiros gestos, os primeiros movimentos, as primeiras pequenas coisas que fazemos depois de vê-los ganham um novo sentido. Isso acontece após filmes do Pialat, de Rohmer, em um Cronemberg, em um filme de Claire Denis e nesse Abel Ferrara visto hoje. Tudo que veio depois, a tela luminosa do computador, a mensagem de um amigo no facebook lida enquanto começava a escrever esse texto, tudo ganha outro peso após o "fim do mundo" de Ferrara.
Desde as primeiras cenas de seus filmes, notamos sempre esse domínio do potencial da imagem, diretores como ele não desperdiçam, não tem nada a fazer a não ser o que querem realmente mostrar.
4:44 é um filme sobre o fim do mundo e quando o mundo está para acabar em 2013 o que fazemos? Corremos para a tela. As telas estão por toda parte no apartamento de Cisco (Willem Dafoe) e Skye (Shanyn Leigh). Nas telas de tv, computadores e celulares que vemos os últimos fiapos significativos (ou não) dessa vida por aqui, e toda sua falta de sentido. O fim do mundo de Ferrara nos confronta com as distâncias, resolvidas - ou desesperadamente vividas - com o uso do skype. Ouvir os sons desse programa e o uso dele no filme de Ferrara redesenha os contornos do mundo. Sim, eu uso o skype todo dia, ligo pros meus pais todo dia, ligo do skype para Arthur quando estou longe. Se o mundo fosse acabar talvez me atirasse na rua, dançasse até cansar, deitasse na grama, andasse bem devagar, mas provalvelmente, antes disso, entraria no skype, e como os personagens de Ferrara, beijaria a tela e as fotografias dos nossos amores, as imagens maravilhosas que criamos deles. Por que, afinal, como diz um monge em uma das cenas a que somos confrontados no filme: o que seria de nós sem essas imagens que inventamos e guardamos para sobreviver?
4:44 mostra um fim do mundo trágico e magnífico, como o azul e o roxo profundo das pinturas de Skye, em que vamos nos agarrando a imagens, contatos, presenças como modo de sobreviver mesmo nesse morrer um pouco de todo dia.
domingo, 21 de abril de 2013
quarta-feira, 20 de março de 2013
Rhoda
Uma canção do Belle and Sebastian que nunca tinha ouvido.
Ela trouxe de volta aquela sensação maravilhosa quando ouvi o Tigermilk pela primeira vez. Poderia ter sido composta pela Kath Bloom, mas não, era só Stuart e trupe com suas imagens maravilhosas naquele começo.
and she's really happy, and she's really happy...
quarta-feira, 13 de março de 2013
Van Gogh (Maurice Pialat,1991)
Um filme-pintura que vai além do óbvio de ser dirigido por um pintor sobre um pintor, trata-se de uma preocupação em ser "pintura" para além do aspecto estético. A pintura em Pialat está no ato. Está no que tem a ver com as cores, com sua potência, mas tem muito a ver com gesto de lançar tinta sobre a tela, com a violência e ao mesmo tempo delicadeza disso. É assim que ele concebe o filme e dessa maneira se debruça sobre Van Gogh e seus amarelos, azuis, e sobre as casas sem cor em que viveu, o quarto branco em que morreu e seu contato com duras e adoráveis pessoas em sua vida. Nesses encontros está boa parte da beleza desse filme. A relação com Marguerite, a filha do Dr. Gachet, é encantadora, hipnótica, um balé assim de ir vivendo e se gostando. É comovente também o modo como Van Gogh vai passando por essas vidas, pelas pessoas da pensão em que se hospeda, pelo lamento que vemos nelas ao notarem sua tristeza, pelo modo como lidam com sua presença muitas vezes fantasmagórica.
Falar do filme também exige tocar em uma persistência de Pialat que liga essa obra à "Aos Nossos Amores". "Van Gogh" também trata de nossa existência irremediável, que Pialat vê em Van Gogh - e que também viu em Suzanne - que desequilibra o estado de coisas do mundo, que por vezes faz com que machuquemos os que amamos e nos machuquemos. "A tristeza que durará para sempre" paira sobre o que vemos aqui.
Difícil esquecer a cena final tão reveladora dessa passagem clarão dele que, através do cinema, Pialat nos mostra no rosto de Marguerite. A passagem do artista que fica está toda lá, no rosto dela, na falta que ele faz e na sua permanência.
domingo, 10 de março de 2013
Death Proof
Já li textos interessantíssimos (escritos por homens) sobre Death Proof, mas nunca tive a oportunidade de ler nenhum escrito por um mulher. Então está aqui a tentativa de preencher essa lacuna.
Soube recentemente que
Tarantino considera o filme um de seus piores, então vou juntá-lo
ao grupo de homens que eu diria que são até sabidos mas não
entenderam o ponto, a relevância desse filme e muito
menos sua importância de gênero.
Devo começar descrevendo
que tive vontade de dar um grito quando saí da sala de cinema mas, tratando de sua relevância, o grito passará a ter sentido.
Está mais do que claro que os melhores filmes de Tarantino são os dedicados à potência feminina, principalmente em um mundo de violência. Sobram poucos que não tratem disso, ou seja, não há filmes ruins. Destacaria Jackie Brown e Kill Bill II pela sua força dramática e pela delicadeza como desembocam para os seus finais. Os filmes extremos vão se tornando filmes de amor, ambos com essas mulheres se afastando após o “trabalho feito”. Duas melancólicas despedidas. É, Tarantino é um romântico, e vê nessa figuras femininas a possibilidade de construir o território dos seus desejos que é um cinema em que elas dominem, se sobreponham, em que não haja nenhum tipo de sujeição. Quem escreve a história são elas. Isso, claro, até Django, que é uma outra questão, em que há um outro sujeito que deva reescrever certas linhas tristes e sem glória do nosso passado.
Está mais do que claro que os melhores filmes de Tarantino são os dedicados à potência feminina, principalmente em um mundo de violência. Sobram poucos que não tratem disso, ou seja, não há filmes ruins. Destacaria Jackie Brown e Kill Bill II pela sua força dramática e pela delicadeza como desembocam para os seus finais. Os filmes extremos vão se tornando filmes de amor, ambos com essas mulheres se afastando após o “trabalho feito”. Duas melancólicas despedidas. É, Tarantino é um romântico, e vê nessa figuras femininas a possibilidade de construir o território dos seus desejos que é um cinema em que elas dominem, se sobreponham, em que não haja nenhum tipo de sujeição. Quem escreve a história são elas. Isso, claro, até Django, que é uma outra questão, em que há um outro sujeito que deva reescrever certas linhas tristes e sem glória do nosso passado.
Mas voltando a Death
Proof, a questão é que toda homenagem ao cinema dito menor, grindhouse, tudo o que vemos através da linguagem, de toda aquela
diversão, todo o conteúdo fetichista declarado do diretor, é um
pretexto para que Tarantino nos vingue. Porque a sensação que Death
Proof deixa pra mim é de um dia diferente: Sabe aquele safado que te
diz uma grosseria na rua esperando que você não vá fazer nada?
Pois é, Death Proof é sobre isso, é sobre essa praga cotidiana
revertida, recriada. O cinema é o modo mais curto de nos conceder
esse poder ou simplesmente de nos vingar. Ou seja, trata-se de uma
excessiva humanidade posta na tela, a humanidade dos nossos desejos.
Por isso, não interessa, Taranta, se agora você está achando esse
filme menor, ele é enorme. Beajos!
sexta-feira, 1 de março de 2013
Onde jaz o teu sorriso?
Os dois filmes que mais amo podem ser resumidos em uma mesma frase: Um filme sobre uma moça errante que gosta de namorar.
O Conto de Inverno, de Eric Rohmer, é um filme sobre viver, acreditar e mover as coisas do mundo, algo que leva até a alegria, revelada no choro, na grande emoção das mulheres do filme. Rohmer conseguiu, com sua crença da imagem ontológica - do que ela pode revelar sem artifícios - conceber esse registro, quase como uma imagem primeira, mãe de todas as outras.
Aos Nossos Amores fala de uma inevitável tristeza, da "tristeza que durará para sempre" e de uma relação ambígua entre pai e filha e da forma como seu jeito de viver acaba por magoar, ferir, mexer com a ordem do seu mundo.
Uma delas voltará a sorrir. A outra lida com sua alegria fugidia e com sua irremediável tristeza.
Vejo Conto de Inverno quase toda semana, preciso dessa grande alegria para seguir, preciso dessa experiência de fé ( na vida? no cinema?) para prosseguir.
Nunca consegui rever Aos Nossos Amores, fico paralisada. Recrio o filme na cabeça por não conseguir me recuperar dele.
Os dois filmes desembocam esses sentimentos em um ônibus em movimento.
sábado, 9 de fevereiro de 2013
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Estou há algum tempo tentando escrever sobre "Aos Nossos Amores" e o que posso dizer é que a "tristeza que durará para sempre" a que se refere o pai parece ser aquela gerada por aquilo que somos muito honestamente mas que acaba por nos machucar ou machucar os outros. O filme é sobre essas feridas, sobre um jeito desajeitado e franco de viver que magoa, desnorteia. Suzanne só se sente bem enquanto namora, em seus vários encontros com vários homens mas ao mesmo tempo ama o rapaz com quem não consegue ficar, talvez por isso. Suzanne parece só encontrar cumplicidade no pai e nessa ligação extremamente ambígua e comovente. O cinema parece ter nascido para filmar essa ambiguidade, como diria Rohmer.
Uma das cenas mais interessantes e reveladoras de "Para sempre Cinderela" é quando finalmente o príncipe se dá conta de que Danielle é a garota com quem ele deve ficar e tem que salvá-la das mãos do malfeitor que a sequestrou. O curioso é que quando ele chega até o castelo do vilão, Danielle já se salvou sozinha, tomando as espadas dele enquanto a torturava. Ela o encontra espantado, ela sequer precisava dele mas fica feliz de lhe ver.
A cinderela está livre.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
Ando pensando, pra variar, no Conto de Inverno e, principalmente, nessas influências de Shakespeare e Pascal. Me parece mesmo que o filme de Rohmer, para além de mostrar os maravilhosos movimentos errantes daquela mulher, é também uma história sobre fé. Não somente no aspecto religioso, mas nesse sentido do intenso desejo que mobiliza as coisas do mundo. Como na cena peça, em que a força do sentimento faz com que a estátua se mova, ou mesmo no poderosa crença dela que o homem do verão voltaria, e ele volta.
Gene Shalit: There was an award, some months ago, for the best young actors and actresses in hollywood and you won for the best actress. Why were you crying?
Drew: Because... it was not sadness tears like when you won't see anybody again. It was happy tears, you know... sometimes you should like crying.
Gene Shalit: I understand that entirely.
Drew: Because... it was not sadness tears like when you won't see anybody again. It was happy tears, you know... sometimes you should like crying.
Gene Shalit: I understand that entirely.
"são lágrimas de alegria" - (Conto de Inverno, Eric Rohmer 1992) |
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
"Um filme de Pialat não conta verdadeiramente uma história, ou uma história suficientemente "amena" para que se possa mudar o curso no caminho. Ele descreve um processo de destruição, uma transformação de maneira catastrófica. Na origem há uma catástrofe. (...) O mundo de Pialat é um mundo desequilibrado pela recuada imprevisível de um estado de coisas que se suportava sem que se desse conta. A partir de uma série de dores intermináveis, de crises, gritos que tornam sensíveis mais e mais irremediavelmente o que "não pode ser como antes". Daí o sentimento de desespero que emerge desse filme, de amargura, como bem exprimem os olhos baixos, os olhos tristes de Sandrine Bonnaire, o olhar de Pialat como ele mesmo. E, contudo, da mesma forma que Bacon se diz cerebralmente pessimista e nervosamente otimista, a tristeza pode não estar onde acreditamos que ela esteja. Na grande cena do acerto de contas, depois do "retorno do pai", no fim do filme, Pialat dá, dessa forma, uma interpretação curiosa para a frase que Van Gogh tinha proferido no seu leito de morte: "A tristeza durará para sempre". Acredito - diz ele dirigindo-se particularmente ao cunhado de seu filho (interpretado por Jacques Fieschi) - que Van Gogh fala dele mesmo, de sua vida triste, de sua miséria, mas não: ele deveria dizer que a luta duraria, são vocês que são tristes. Vocês quem? A maldição se dirige, sem dúvida, ao homem de poder, de influência e dinheiro, o cunhado, a quem o irmão de Suzanne se vendeu (como acusa seu pai) para que ele deixasse corromper seu talento nascente; em segundo lugar, ao filho e, enfim, à mãe, cercada de seu ressentimento histérico.
Há forças de tristeza que devemos lutar contra, essa é a lição de Van Gogh, é dela que Pialat trata aqui. As forças de tristeza e escravização, submissão são as mesmas: é o que exprime a cumplicidade lacônica entre o pai e Suzanne. Os dois sabem partir, traçar uma linha de fuga, e as últimas imagens do filme são as de uma partida. Suzanne viaja para San Diego com um companheiro efêmero, enquanto o pai se afunda em ônibus que lhe leva de volta à Paris, na escuridão de um túnel que evoca a morte. Mas "a tristeza durará para sempre" o que significa que a arte é uma luta obscura e difícil, a vida é uma luta obscura e difícil, o cinema é uma luta obscura e difícil".
Pascal Bonitzer, Cahiers di Cinéma, dezembro de 1983
Tradução livre e torta minha.
Tradução livre e torta minha.
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