@ tainah negreiros

quarta-feira, 8 de julho de 2009

um gato mia lá fora
não é meu gato perdido
há uma vista de um lado da casa que é a cara dele
todos os muros
os telhados que ele cheirou

os sons dos bichos por aqui
soam como um pedido.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

the children come in here and they dare the ghost.

sábado, 4 de julho de 2009

aprenderei a dormir
mas lamento por esses dias
meu quarto que não é mais tão fotogênico
nem eu

não encontro lugar
meu sono que não é mais meu
parece pregado nas paredes
parece ficar lá enquanto durmo
e aquilo não é sono

aprenderei a dormir
aprenderei a lembrar dos cães
vou lembrar

não, eles não viviam aqui
mas de alguma forma
melhoravam essa casa
aprenderei a dormir
na memória de um muro,
na respiração
de um animal que sonha.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

sábado, 27 de junho de 2009

você lembra do céu mais estrelado?
aquele, onde a fumaça feia ainda não chegou
estou tentando te alcançar daqui

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Vem namorada que a madrugada
ficou mais roxa que dos olhos teus
as pálpebras cansadas

amo esse lugar



a casa não é só nossa.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Nua sonhando uma noite solar
sepultei dias animais
o vento e a chuva me apagaram
como a um fogo, como a um poema
escrito num muro.


(alejandra pizarnik)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

coisas dessa casa

da janela da sala vemos um camaleão na laranjeira
verde
como a laranjeira
eu e meu pai ríamos na gostosura de uma manhã daqui
do que parece milagre
o bicho ser verde como a laranjeira
e poder mudar de cor depois
meu pai me contou também que um passarinho está recomeçando um ninho
nas plantas da frente
em algum lugar devem chamar isso de metafísica
outros podem chamar de deus
foi deus quem fez
quem sabe

mas pra gente
em uma manhã
às vésperas de uma mudança
são só coisas dessa casa
que a gente já sente falta

terça-feira, 2 de junho de 2009

canto do povo de um lugar


Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

(caetano)

sábado, 30 de maio de 2009

Essa noite fui comer iogurte com rapadura moída e caí com a cabeça na mesa de saudade do meu avô. Lembro tanto das mãos dele preparando as coisas para comer. E não digo que isso me lembrou ele  porque não esqueço de nada.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

segunda-feira, 25 de maio de 2009

a infância reencontrada


Os nomes dos discos de Dércio Marque são belíssimos, e percebi que dá pra escrever algo começando pela beleza dos nomes deles. Seja "Canto Forte, Coro da Primavera" às "Cantigas de Abraçar" que abraçam e abraçam. Há um canção chamada "Cantiga de Embalar" que meus pais ouviam comigo quando criança, e uma que chama "Era uma vez" que conta as histórias todas ao contrário que ainda pequena me fez entender muita coisa. Ouvi esse disco hoje e lembrei dos tempos que meus pais colocavam pra ouvir numa vitrola e eu revirava seu encarte verde, era ali que eu começava a entender essas coisas de mato, quando a minha boca começava a carecer de raiz e de rio. Podem me acusar de saudosista, mas é que eu gostava mesmo de ser criança, meus pais cuidaram bem disso.
E enquanto ouvia pensava em crianças, nas crianças que quero bem, em uma criança que gostaria de levar essa alegria, e pensei em um pequeno que quero bem mesmo à distância e que sei que o abraço da canção alcança. O Tito.

sábado, 23 de maio de 2009

Ns estrada voltando de São Paulo ouvi mais uma vez esse cd novo do Caetano de nome esquisito que traz tanta coisa. E enquanto ouvia era isso que via. E foi encontro tão bonito já que essa Falso Leblon me faz pensar em um fim tarde depois da praia, fim de tarde já melancólico depois da praia enquanto as coisas vão passando, homens e mulheres voltando do trabalho, meninas espertas, os meninos gostosos, gente.
Não teve praia, mas o fim de tarde era desses que Caetano diz e traz.

Ecstasy, bala, balada
E me chama depois
Pra dar uma e dar dois
Ela é que causa
Éque explana
E que acende os faróis

Mas o meu samba
Transcende
E apaga as pegadas
Que ela quer deixar
Falso Leblon
Big Brother
Tou fora do ar

Ai, amor
Chuva
Num canto de praia
No fim da manhã
E depois de amanhã?

O que faremos do Rio
Quando, enriquecendo
Passarmos a dar
As cartas
As coordenadas
De um mundo melhor

Quanta tristeza guardada
Na cara da moça bonita
Que dói
Francisco Alves
Seu Jorge, os Hermanos
Já foi

Ai, amor
Chuva
Num canto de praia
No fim da manhã
E depois de amanhã?

Drogas, tou fora
Tá foda
Agora vambora
Nem vinho tomei
Me sinto muito sozinho
E ela é a lei

Odeio a vã cocaína
Mas amo a menina
E olho pro céu
Ela se engancha por cima
De mim: quem sou eu?

reflete as cores
da paisagem da cidade
que é muito mais bonita
e muito mais intensa
do que no cartão postal

quinta-feira, 21 de maio de 2009

sem sol


Andar por São Paulo pode ser dolorido. Sinto pelas pessoas que trabalham tanto, e pelas plantas que trabalham tanto também.Dá vontade de chorar quando olho o céu e olho as pessoas e o verso do Caetano vem a cabeça. A canção ainda é totalmente nova e verdadeira quando diz sobre essa fumaça feia que sobe apagando as estrelas.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A lição mais bonita

Quando pequena por várias vezes meu pai me dizia, e lembro especialmente quando ele me disse essa vez no quintal da casa onde morávamos, quando uma aranha daquelas de perna fina subiu na minha perna e ele me orientou quando eu pensei em matá-la para somente empurrá-la, ou senão, soprá-la. Depois de dizer isso me disse que somente por serem seres menores não quer dizer que sua vida seja menos importante. Hoje sou outra, mas ainda muito daquela, e ando soprando formigas de bunda grande, muriçocas ou aranhas de perna fina, e pensando em meu pai com um carinho do tamanho de todas essas vidas.

sábado, 25 de abril de 2009

sobre entender uma presença


Gullar estava ontem na tv
e enquanto acompanhava o que dizia
tentava entender sua presença
que quer dizer algo doce como sabedoria antiga
de quem viveu pra contar

mesmo quando a presença é em um programa como o que ele estava
mesmo quando fala de algo tão chato
como a reforma da língua portuguesa

e eu ficava olhando
e só conseguia pensar em josé, josé
josé de ribamar
e os outros tantos ribas no maranhão

acho que hoje sei o que me faz chorar
quando vejo josé na tv, quando vejo josé em seu poema
é que não esqueço o que ele disse
quando lhe perguntaram uma vez
quem era esse tal de Ferreira Gullar



Sou só um menino empinando pipa nas ruas de São Luís do Maranhão

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Cheiro de milho na cozinha
faz lembrar minha mãe
faz lembrar o que ela me ensinou sem saber
que preparar a comida também quer dizer amar
que o jeito que se escolhe as coisas para servir
é um carinho

e alimenta uma outra fome.
Nunca nos dissemos a palavra amor. Isso se deslizava, como de contrabando, quando dizíamos: "Chove", ou dizíamos: "Sinto-me bem" mas eu teria sido capaz de meter-lhe uma bala na memória para que não lembrasse nada de nenhum outro homem.

- Alguma vez - dizíamos- , quando as coisas mudarem.
- Vamos ter uma casa.
- Seria lindo.
Por algumas noites pudemos pensar atordoados, que era por isso que se lutava. Que para que isso fosse possível é que as pessoas se atiravam na luta.
Mas era uma trégua. Logo soubemos, ela e eu, que antes disso iríamos esquecer um ao outro ou morrer.

- Aqui ninguém encontrará você. Fica, até que as coisas mudem.
- As coisas mudam sozinhas?
- O que você vai fazer? A revolução?
- Eu sou uma formiguinha. As formiguinhas não fazem coisas tão grandes como a revolução ou a guerra. Levamos pedacinhos de folha ou mensagens. Ajudamos um pouco.
- Folhinhas, pode ser. Ficaram algumas plantas.
- E algumas pessoas.
- Sim. Os velhos, os milicos, os presos e os loucos.
- Não é bem assim.
- Você não quer que seja bem assim.
- Mas você quer me dizer como é que se acaba uma ditadura? Com flechinhas de papel?
- Com o quê, eu não sei.
- Daqui, se acaba com uma ditadura? Por controle remoto?
- A heróina solitária busca a morte. Não, não é machismo pequeno burguês. É feminismo.
- Sabe de uma coisa? Estamos todos desamparados.
- Sim.
- Todos. Desamparados.
- Sim. Mas eu gosto de você.

(Eduardo Galeano em A moça com a cicatriz no queixo )
(1974)

terça-feira, 14 de abril de 2009

Algumas coisas estão muito claras para mim quando começo um projeto. Neste filme, por exemplo, era óbvio para mim que eu queria dar uma outra imagem destes meninos. Eu estava convencido de que se você realmente ouve o que eles têm a dizer, eles são muito mais interessantes do que a maneira habitual com que a sociedade os observa. Essa era uma determinação de início para a construção do filme. A segunda era mostrar como a escola poderia de fato ajudar alguém a crescer. Que a escola como ela existe hoje não é algo descolado da sociedade, mas parte dela. Esses muros não a protegem da sociedade, as questões da sociedade lá fora atravessam o ambiente da escola. Esses dois pontos eu queria ilustrar com o filme. E, por outro lado, a história é sempre um ponto importante para mim, mesmo que às vezes ela seja mínima. Eu sempre tento lidar com essas questões fundamentais sem fornecer uma tese sobre elas. Quero mostrar a maneira como os personagens sofrem por algo, ou sentem esta coisa em suas vidas, o que é verdadeiro e diz respeito àqueles personagens, e não apenas “eu sei disso de antemão e direi isto através de você”. Eu não sei de nada, eles sabem.

Laurent Cantet, diretor de Entre os Muros da Escola

segunda-feira, 6 de abril de 2009

havia um gato
e uma cadela
os dois são ao contrário
não são meus
mas são
e ficaram perto, perto demais de mim
e falo isso hoje
porque dá pena o mundo sem eles.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

segunda-feira, 23 de março de 2009


é muito bom acompanhar a trajetória de um grupo ou artista e perceber sua capacidade de reinvenção. o show foi parte disso.
Milk de Gus Van Sant é sobre a luta de todo dia por viver do jeito que nos é mais franco. Mas Milk é também sobre o sorriso do homem tão lindamente sorrido por Sean Penn. Bonita demais essa luta vivida de todo dia e os sorrisos que carregam o filme como um fio.

domingo, 8 de março de 2009

ando muito parecida com a minha mãe
quando noto, fico muito feliz
com o que aprendi com ela cuido do meu pai que é belo na sua fragilidade e na sua força.
com o que aprendi com ela cuido de Arthur.
acho lindo o jeito dela de querer ser feliz
acho lindo meu pai velando pra que ser feliz dê certo.


e quando Guimarães Rosa fala da vida, acredito
o que ela quer dar pra gente é coragem.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

quando não fazemos idéia

Que bonito esse cinema de Gus Van Sant que vem falando de viver, e desse viver quando se é só um menino e o mundo é estranho demais. Esse cinema que filma um mundo que tem fome de abraços.
Junto a Elefante o diretor constrói um poema sobre a atenção não dada, sobre a nossa incompreensão sobre um tempo, sobre meninos e meninas em um tempo, em algum lugar. Sobre como quando ele nos mostra seus meninos, quando simplesmente os filma com todo seu peso e sua confusão e aquilo é tão poderoso que é como se fosse a primeira vez, como se precisassem ser apresentados já que não fazemos idéia. Não fazemos idéia.
Como se eles não tivessem por aí em tantos shoppings, ruas, pistas de skate, numa escola aqui ou lá. Como se não estivessem em alguma escola com suas camisetas amarelas esperando por um beijo.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

E eu que nos últimos dias só venho conseguindo dizer pela boca de Galeano. E ele vai embora em alguns dias bem quando o autor me encontra contando de outra despedida. Nem vai demorar nada, mas com o tempo só desaprendo mais e mais a largar dele, não sei como se faz isso. E ontem antes de dormir eu fiquei olhando pra ele enquanto assistia tv e pensei mais uma vez: "Eu sabia antes de ti que os olhos de quem eu amaria eram como os teus, o que veio depois foi um encontro com isso."


A mulher que diz tchau


Levo comigo um maço vazio e amassado de
Republicana e uma revista velha que ficou por aqui. Levo comigo as duas últimas passagens de trem. Levo comigo um guardanapo de papel com minha cara que você desenhou, da boca sai um balãozinho com palavras, as palavras dizem coisas engraçadas. Também levo comigo uma folha de acácia recolhida na rua, uma outra noite, quando caminhávamos separados pela multidão. E outra folha, petrificada, branca, com um furinho como uma janela, e a janela estava fechada pela água e eu soprei e vi você e esse foi o dia em que a sorte começou.

Levo comigo o gosto do vinho na boca. (Por todas as coisas boas, diziamos, todas as coisas cada vez melhores que nos vão acontecer.)

Não levo uma única gota de veneno. Levo os beijos de quando você partia (eu nunca estava dormindo, nunca). E um assombro por tudo isso que nenhuma carta, nenhuma explicação, podem dizer a ninguém o que foi.

domingo, 25 de janeiro de 2009

quando ele diz pela boca do outro

você pergunta
em copacabana:

“e a pólvora,
de que é feita?”

a pólvora, ora
de que é feita
a pólvora?

estes fogos
em seus olhos

eu queria engolir
essas faíscas

eu queria te dar
uma resposta aberta
em fogo no céu
eu queria dizer:

“você fez a pólvora
com um beijo.”

(Pedro Cesarino)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

a paixão de dizer

Esse homem, ou mulher, está grávido de muita gente. Gente que sai por seus poros. Assim mostram, em figuras de barro, os índios dos Novo México, o narrador, o que conta a memória, coletiva, está todo brotado de pessoinhas.


A noite/1

Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

A fome/2

Um sistema de desvínculo: Boi sozinho se lambe melhor... O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá o de comer, tampouco dá de amar: condena muitos a fome de pão e muitos mais à fome de abraços.


Dizem as paredes/1

No setor infantil da Feira do Livro, em Bogotá: O Loucóptero é muito veloz, mais muito lento.

Na avenida costeira de Montevidéu, frente do rio-mar: Um homem alado prefere a noite.

Na saída de Santiago de Cuba: Como gasto paredes lembrando de você! E na altura de Valparaíso: eu nos amo.


A noite/2

- Arranque, senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa- me, dispa-me.


A noite/3

Eu adormeço às margens de uma mulher, eu adormeço às margens de um abismo.


(eduardo galeano)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008


Ainda a caminho minha prima disse que a serra é sua mãe.
Achei bonita a metáfora. Enquanto ela dizia do carinho, logo a frente já haviam alguns dos paredões que abrigavam como braços bichos, gente e plantas há milhões de anos.
Além do que carro e pegada deixa, passarinhos, caititus, borboletas amarelas e um veadinho apressado guiaram a caminhada. E tantos mais que só vimos o rastro ou ouvimos o som.
A dança, o beijo, e o parto de que as pinturam disseram são de fazer chorar tamanha fragilidade que consegue ser eterna.
As pegadas dos pequenos também.





E sei que a mãe que pariu é tão linda quanto.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada minha aldeia estava morta
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O Silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Pilhei uma paisagem velha a desabar sobre uma paisagem.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia
De braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Nenhum outro poeta no mundo faria uma roupa mais
Justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.

(Manoel de Barros)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Enquanto as nuvens se desmancham depois da chuva, passa um danado lindo como se soubesse que é poesia. Mas faz tempo que eu aprendi que o azul é muito importante na vida dos passarinhos.