@ tainah negreiros

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

E eu que nos últimos dias só venho conseguindo dizer pela boca de Galeano. E ele vai embora em alguns dias bem quando o autor me encontra contando de outra despedida. Nem vai demorar nada, mas com o tempo só desaprendo mais e mais a largar dele, não sei como se faz isso. E ontem antes de dormir eu fiquei olhando pra ele enquanto assistia tv e pensei mais uma vez: "Eu sabia antes de ti que os olhos de quem eu amaria eram como os teus, o que veio depois foi um encontro com isso."


A mulher que diz tchau


Levo comigo um maço vazio e amassado de
Republicana e uma revista velha que ficou por aqui. Levo comigo as duas últimas passagens de trem. Levo comigo um guardanapo de papel com minha cara que você desenhou, da boca sai um balãozinho com palavras, as palavras dizem coisas engraçadas. Também levo comigo uma folha de acácia recolhida na rua, uma outra noite, quando caminhávamos separados pela multidão. E outra folha, petrificada, branca, com um furinho como uma janela, e a janela estava fechada pela água e eu soprei e vi você e esse foi o dia em que a sorte começou.

Levo comigo o gosto do vinho na boca. (Por todas as coisas boas, diziamos, todas as coisas cada vez melhores que nos vão acontecer.)

Não levo uma única gota de veneno. Levo os beijos de quando você partia (eu nunca estava dormindo, nunca). E um assombro por tudo isso que nenhuma carta, nenhuma explicação, podem dizer a ninguém o que foi.

domingo, 25 de janeiro de 2009

quando ele diz pela boca do outro

você pergunta
em copacabana:

“e a pólvora,
de que é feita?”

a pólvora, ora
de que é feita
a pólvora?

estes fogos
em seus olhos

eu queria engolir
essas faíscas

eu queria te dar
uma resposta aberta
em fogo no céu
eu queria dizer:

“você fez a pólvora
com um beijo.”

(Pedro Cesarino)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

a paixão de dizer

Esse homem, ou mulher, está grávido de muita gente. Gente que sai por seus poros. Assim mostram, em figuras de barro, os índios dos Novo México, o narrador, o que conta a memória, coletiva, está todo brotado de pessoinhas.


A noite/1

Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

A fome/2

Um sistema de desvínculo: Boi sozinho se lambe melhor... O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá o de comer, tampouco dá de amar: condena muitos a fome de pão e muitos mais à fome de abraços.


Dizem as paredes/1

No setor infantil da Feira do Livro, em Bogotá: O Loucóptero é muito veloz, mais muito lento.

Na avenida costeira de Montevidéu, frente do rio-mar: Um homem alado prefere a noite.

Na saída de Santiago de Cuba: Como gasto paredes lembrando de você! E na altura de Valparaíso: eu nos amo.


A noite/2

- Arranque, senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa- me, dispa-me.


A noite/3

Eu adormeço às margens de uma mulher, eu adormeço às margens de um abismo.


(eduardo galeano)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008


Ainda a caminho minha prima disse que a serra é sua mãe.
Achei bonita a metáfora. Enquanto ela dizia do carinho, logo a frente já haviam alguns dos paredões que abrigavam como braços bichos, gente e plantas há milhões de anos.
Além do que carro e pegada deixa, passarinhos, caititus, borboletas amarelas e um veadinho apressado guiaram a caminhada. E tantos mais que só vimos o rastro ou ouvimos o som.
A dança, o beijo, e o parto de que as pinturam disseram são de fazer chorar tamanha fragilidade que consegue ser eterna.
As pegadas dos pequenos também.





E sei que a mãe que pariu é tão linda quanto.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada minha aldeia estava morta
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O Silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Pilhei uma paisagem velha a desabar sobre uma paisagem.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia
De braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Nenhum outro poeta no mundo faria uma roupa mais
Justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.

(Manoel de Barros)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Enquanto as nuvens se desmancham depois da chuva, passa um danado lindo como se soubesse que é poesia. Mas faz tempo que eu aprendi que o azul é muito importante na vida dos passarinhos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

ao meu pai


Ando pensando muito nessa casa
é que sou muito interessada em casas
e eu sei do guardar dessa
dos arredores que conseguem ser tão silenciosos às vezes
só quebrado por grilo poderoso
cão faminto
e o gato
e o choro da criança da casa da frente

é casa eternizada
eternizada por pássaros
por meus pais
por nós
mas há também uma secura da fumaça do mato queimado por perto
por alguém
algum homem
que não entendeu nada desse rio

sábado, 15 de novembro de 2008

Li um texto dele hoje, daqueles que são escritos pra ser imagem. E mais uma vez essa noite, lendo seu texto lindo, tocado e tão dele, sinto esse desejo poderoso de acompanhá-lo, de viver junto, de partilhar a vida.

sábado, 1 de novembro de 2008

amor e guavira


De tempos em tempos algumas imagens parecem comover mais. Esses dias ouvindo tetê, lendo manoel é como sentir saudade da chapada e do pantanal que ainda não conheci, e é poderosa essa saudade do que ainda não se viveu. É ser alcançado.
É como uma revelação, como o rio que passa ao pé da rã, e o sabiá pousado enorme na codilheira dos andes. Lição linda de manoel que nessa tarde quente à beira do rio tetê canta e arthur traz com seu "passagem".




espero sua chegada, pro nosso amor que é também da rua virar nosso amor de mato, de rio...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

a sensação mais urgente que estas tardes quentes da cidade parecem trazer é uma certa angústia e uma certa solidão sobre não conseguir falar do tamanho disso. Dizer que esteve quente não é suficiente. Não sei mesmo se é possível levar alguém que não sentiu perto do que esse calor significa. Hoje entontei, pensei que o calor na verdade me empurrava para longe e mais uma vez quis ir. Preciso da serenidade que esse calor não deixa chegar, não deixa, não deixa. Talvez seja mais químico do que eu possa imaginar, talvez seja só a loucura de viver aqui mesmo.
Eu vinha pela janela do ônibus reparando na forma como as pessoas vinham à sua maneira vivendo, sobrevivendo sob o sol. Quando Caetano cantou é como se soubesse desse sol, precisa ter olhos firmes.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Gosto tanto da cadela que mora na frente de casa. Ela é uma alegria muito nossa.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Del otro lado de la noche
la espera su nombre,
su subrepticio anhelo de vivir,
¡del otro lado de la noche!
Algo llora en el aire,
los sonidos diseñan el alba.
Ella piensa en la eternidad.

domingo, 12 de outubro de 2008

Vi um filme hoje que era pra ser sobre Bob dylan, e de alguma forma é. Mas o que me tocou foi o fato do filme ser sobre acordar um e ser belamente possível ser outro ao anoitecer. As past, present and future all in the same room.
Tantas essas vezes em que quando dizem algo sobre nós e não há uma sineta que nos toque dentro, que realmente alcance. O filme de Todd Haynes é uma compreensão disso, um menino com os olhos cheios de sol, um astro, um andarilho, um assanhado em corpo de mulher e com olhos de fumaça. É sobre como por vezes as pessoas não fazem idéia do que você viveu e de como o que você viveu e vive te muda sempre. Se há uma forma de biografia, se há uma forma de mostrar como podemos ser multifacetados, flexíveis, mutantes e estáticos às vezes, essa me pareceu a mais justa. Acho que porque permite deixar faltar, não mostrar, dizer que não é tudo e que aquilo que se mostra em si não responde somente. Não responde. É só uma compreensão.
É como quando Caetano canta 'you don't know me', é dessa incompreensão do traduzir, do interpretar que encerra e é tão injusto. Tão injusto encerrar, engessar alguém. Enquanto tentar compreender com o pouco que se tem, tentar compreender, sentir com o pouco que se tem a oferecer é comovente, é lindo.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

esses dias
depois dela
não posso falar por mim
desse dizer dela
como quem sabe da fumaça
e dessas noites que não me servem

tão poderoso notar
como a mulher morta
sabe desse nome
colado em mim
vivo

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sombra de los días a venir

Mañana
me vestirán con cenizas al alba,
me llenarán la boca de flores,
Aprenderé a dormir
en la memoria de un muro,
en la respiración
de un animal que sueña.





alejandra pizarnik...

domingo, 5 de outubro de 2008


tu haces de mi vida
esta cerimonia demasiado pura

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

subo correndo as escadas de casa
não quero ouvir as notícias na tv
não quero perder a esperança que me foi dada pelos alunos hoje
nan goldin

" um interesse pelo misterioso elemento de desatenção que colore nossas experiências mais triviais."

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

cheiro do jasmim que floresceu
na área em frente a casa
e o que é mais íntimo
é o desejo
de que ele também pudesse sentir

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

a noite se enche com as palavras de joão
o cabral
de melo neto
ele e seu telefone ao carlos
por um conselho
num dia desses
daqueles que só o bom poeta
transforma em beleza
acende o dia por dentro

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Hoje fui ver uma peça na praça chamada Moliére Imaginário, nem quero falar da peça, algo mambembe, divertido e colorido como é tão bonito de ver da rua, coloriu a praça toda, tão bonito. E teve uma coisa que moça que toca disse no final, sobre a arte que salva da morte, disso também queria falar, mas nem vou. Mas queria era guardar o que é frágil demais pra se perder, e que às vezes se perde rápido, o que muda com o tempo quando a gente começa a lembrar. Queria salvar a alegria que senti e o sorriso que dei quando começou a tocar a linda canção final e tudo já tinha acontecido.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

papete encheu teresina de maranhão
e a noite de alegria

terça-feira, 26 de agosto de 2008

hoje andei por um caminho que aqui a gente constuma fazer junto
a beleza da vida está mesmo em partilhar

domingo, 24 de agosto de 2008

o dia vai morrer aberto em mim.

sábado, 9 de agosto de 2008

uma pausa
às preces ao tempo jamais ditas.

segunda-feira, 21 de julho de 2008


"A primeira imagem de que ele me falou foi a de três crianças em uma estrada na Islândia, em 1965. Ele disse que para ele era a imagem da felicidade. Ele tentara várias vezes associá-la a outras imagens mas não conseguira. Ele me escreveu: 'Preciso colocá-la sozinha no início de um filme, com uma tarja preta. Se não virem a felicidade na imagem, ao menos verão o preto.' "


A primeira imagem de que ele me falou foi a de três crianças em uma estrada na Islândia
imagem que também é dele
agora nossa

depois entre albúns em que eu tentava compreender sua história
refazendo seus passos ainda pequeno
quase como uma tentativa boba
de entender nosso encontro
anos depois

é uma forma de esperança
eu sei
como se naquelas pequenas linhas de todo dia
a gente também se encontrasse
dessas coisas miúdas todas que fazem da vida
encontro

e há essa imagem que salva como a de Marker
agora minha
também nossa
uma imagem de felicidade
verde

sábado, 7 de junho de 2008


quando amanhece
ele é tão indefeso
tanto
que saio do meu lugar e fico um pouco mãe

quando amanhece
e ele de olhos miúdos ainda dorme
sou pietá

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Esses dias descubro o quanto é encantador escrever pra alcançar os pequenos, essa tentativa encantadora de escrever algo bonito da forma mais simples. Já tinha percebido isso com Clarice, com Manoel... conheci esses dias Roseana Murray, uma mulher cheia de encantos com as palavras e de bonitos nomes pra livros, bonitos nomes pra livros bonitos. Hoje depois do almoço fiquei lendo alguns com Arthur e colorindo a tarde. É das coisas que mais gosto de fazer.


Felicidade

Pinto as unhas de azul,
as mãos, a voz
o coração
e na mala aberta arrumo ventos,
pensamentos, e o mapa azul da felicidade
feito com as pequenas linhas de todo dia:
parto montada na aurora
como num cavalo respingado de luz.

r. m

segunda-feira, 26 de maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008


E essa noite Chris Marker nos encontra com seu Sans Soleil.

uma imagem de felicidade
verde
uma carta ao mundo
enquanto a gente acompanha a caminhada
quietos, encolhidos no sofá
se tivessem me dito da sede
se lembrar fosse o contrário de esquecer
mas nesse reescrever
nesse debruçar
uma compreensão

terça-feira, 6 de maio de 2008

domingo, 20 de abril de 2008


"Mais alguns segundos e a negra vai cantar. Isso parece inevitável, tão forte é a necessidade dessa música: nada pode interrompê-la, nada que venha desse tempo no qual o mundo despencou; ela cessará por si mesma no momento exato. Se amo essa bela voz é sobretudo por isso: não é nem por seu volume, nem por sua tristeza; é porque ela é o acontecimento que tantas notas prepararam, de tão longe, morrendo para que ela possa nascer



Sartre ainda sem saber
que falava da Nico
da Nina
sobre quando cantar
é acontecer
é acontecer no peito da gente

terça-feira, 8 de abril de 2008

às vezes me sinto como da primeira vez
quando me perguntava
como passei tanto tempo sem conversar com alguém como você?
o que eu conversava antes de você?
como me mexia?
você que me ouve mesmo a distância
desse sentir demais do último mês
um sentir demais, demais
pra quem eu diria o quanto acho minha avó linda
e minha mãe linda por parecer com minha vó
e ser toda outra
como eu saberia que sonharia ser tão boa companheira
ser tão boa mãe
como elas
senão contigo
não, não sei bem como era pensar o futuro sem você
agora que sonho a vida
contigo