@ tainah negreiros

quarta-feira, 13 de março de 2013

Van Gogh (Maurice Pialat,1991)

Um filme-pintura que vai além do óbvio de ser dirigido por um pintor sobre um pintor, trata-se de uma preocupação em ser "pintura" para além do aspecto estético. A pintura em Pialat está no ato. Está no que tem a ver com as cores, com sua potência, mas tem muito a ver com gesto de lançar tinta sobre a tela, com a violência e ao mesmo tempo delicadeza disso. É assim que ele concebe o filme e  dessa maneira se debruça sobre Van Gogh e seus amarelos, azuis, e sobre as casas sem cor em que viveu, o quarto branco em que morreu e seu contato com duras e adoráveis pessoas em sua vida. Nesses encontros está boa parte da beleza desse filme. A relação com Marguerite, a filha do Dr. Gachet, é encantadora, hipnótica, um balé assim de ir vivendo e se gostando. É comovente também o modo como Van Gogh vai passando por essas vidas, pelas pessoas da pensão em que se hospeda, pelo lamento que vemos nelas ao notarem sua tristeza, pelo modo como lidam com sua presença muitas vezes fantasmagórica.

Falar do filme também exige tocar em uma persistência de Pialat que liga essa obra à "Aos Nossos Amores". "Van Gogh" também trata de nossa existência irremediável, que Pialat vê em Van Gogh - e que também viu em Suzanne - que desequilibra o estado de coisas do mundo, que por vezes faz com que machuquemos os que amamos e nos machuquemos. "A tristeza que durará para sempre" paira sobre o que vemos aqui.
Difícil esquecer a cena final tão reveladora dessa passagem clarão dele que, através do cinema, Pialat nos mostra no rosto de Marguerite. A passagem do artista que fica está toda lá, no rosto dela, na falta que ele faz e na sua permanência.














domingo, 10 de março de 2013

Death Proof





Já li textos interessantíssimos (escritos por homens) sobre Death Proof, mas nunca tive a oportunidade de ler nenhum escrito por um mulher. Então está aqui a tentativa de preencher essa lacuna.
Soube recentemente que Tarantino considera o filme um de seus piores, então vou juntá-lo ao grupo de homens que eu diria que são até sabidos mas não entenderam o ponto, a relevância desse filme e muito menos sua importância de gênero.
Devo começar descrevendo que tive vontade de dar um grito quando saí da sala de cinema mas, tratando de sua relevância, o grito passará a ter sentido.
Está mais do que claro que os melhores filmes de Tarantino são os dedicados à potência feminina, principalmente em um mundo de violência. Sobram poucos que não tratem disso, ou seja, não há filmes ruins. Destacaria Jackie Brown e Kill Bill II pela sua força dramática e pela delicadeza como desembocam para os seus finais. Os filmes extremos vão se tornando filmes de amor, ambos com essas mulheres se afastando após o “trabalho feito”. Duas melancólicas despedidas. É, Tarantino é um romântico, e vê nessa figuras femininas a possibilidade de construir o território dos seus desejos que é um cinema em que elas dominem, se sobreponham, em que não haja nenhum tipo de sujeição. Quem escreve a história são elas. Isso, claro, até Django, que é uma outra questão, em que há um outro sujeito que deva reescrever certas linhas tristes e sem glória do nosso passado.
Mas voltando a Death Proof, a questão é que toda homenagem ao cinema dito menor, grindhouse, tudo o que vemos através da linguagem, de toda aquela diversão, todo o conteúdo fetichista declarado do diretor, é um pretexto para que Tarantino nos vingue. Porque a sensação que Death Proof deixa pra mim é de um dia diferente: Sabe aquele safado que te diz uma grosseria na rua esperando que você não vá fazer nada? Pois é, Death Proof é sobre isso, é sobre essa praga cotidiana revertida, recriada. O cinema é o modo mais curto de nos conceder esse poder ou simplesmente de nos vingar. Ou seja, trata-se de uma excessiva humanidade posta na tela, a humanidade dos nossos desejos. Por isso, não interessa, Taranta, se agora você está achando esse filme menor, ele é enorme. Beajos!

sexta-feira, 1 de março de 2013

Onde jaz o teu sorriso?



Os dois filmes que mais amo podem ser resumidos em uma mesma frase: Um filme sobre uma moça errante que gosta de namorar.


O Conto de Inverno, de Eric Rohmer,  é um filme sobre viver, acreditar e mover as coisas do mundo, algo que leva até a alegria,  revelada no choro, na grande emoção das mulheres do filme. Rohmer conseguiu, com sua crença da imagem ontológica - do que ela pode revelar sem artifícios - conceber esse registro, quase como uma imagem primeira, mãe de todas as outras.


Aos Nossos Amores fala de uma inevitável tristeza, da "tristeza que durará para sempre" e de uma relação ambígua entre pai e filha e da forma como seu jeito de viver acaba por magoar, ferir, mexer com a ordem do seu mundo.


Uma delas voltará a sorrir. A outra lida com sua alegria fugidia e com sua irremediável tristeza.


Vejo Conto de Inverno quase toda semana, preciso dessa grande alegria para seguir, preciso dessa experiência de fé ( na vida? no cinema?) para prosseguir.


Nunca consegui rever Aos Nossos Amores, fico paralisada. Recrio o filme na cabeça por não conseguir me recuperar dele.


Os dois filmes desembocam esses sentimentos em um ônibus em movimento.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

ainda tenho 13 anos.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013




Estou há algum tempo tentando escrever sobre "Aos Nossos Amores" e o que posso dizer é que a "tristeza que durará para sempre" a que se refere o pai parece ser aquela gerada por aquilo que somos muito honestamente mas que acaba por nos machucar ou machucar os outros. O filme é sobre essas feridas, sobre um jeito desajeitado e franco de viver que magoa, desnorteia. Suzanne só se sente bem enquanto namora, em seus vários encontros com vários homens mas ao mesmo tempo ama o rapaz com quem não consegue ficar, talvez por isso. Suzanne parece só encontrar cumplicidade no pai e nessa ligação extremamente ambígua e comovente. O cinema parece ter nascido para filmar essa ambiguidade, como diria Rohmer.


Uma das cenas mais interessantes e reveladoras de "Para sempre Cinderela" é quando finalmente o príncipe se dá conta de que Danielle é a garota com quem ele deve ficar e tem que salvá-la das mãos do malfeitor que a sequestrou. O curioso é que quando ele chega até o castelo do vilão, Danielle já se salvou sozinha, tomando as espadas dele enquanto a torturava. Ela o encontra espantado, ela sequer precisava dele mas fica feliz de lhe ver.


A cinderela está livre.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013


Ando pensando, pra variar, no Conto de Inverno e, principalmente, nessas influências de Shakespeare e Pascal. Me parece mesmo que o filme de Rohmer, para além de mostrar os maravilhosos movimentos errantes daquela mulher, é também uma história sobre fé. Não somente no aspecto religioso, mas nesse sentido do intenso desejo que mobiliza as coisas do mundo. Como na cena peça, em que a força do sentimento faz com que a estátua se mova, ou mesmo no poderosa crença dela que o homem do verão voltaria, e ele volta.
Gene Shalit: There was an award, some months ago, for the best young actors and actresses in hollywood and you won for the best actress. Why were you crying?

Drew: Because... it was not sadness tears like when you won't see anybody again. It was happy tears, you know... sometimes you should like crying.

Gene Shalit: I understand that entirely.





"são lágrimas de alegria" - (Conto de Inverno, Eric Rohmer 1992)






segunda-feira, 7 de janeiro de 2013



"Um filme de Pialat não conta verdadeiramente uma história, ou uma história suficientemente "amena" para que se possa mudar o curso no caminho. Ele descreve um processo de destruição, uma transformação de maneira catastrófica. Na origem há uma catástrofe. (...) O mundo de Pialat é um mundo desequilibrado pela recuada imprevisível de um estado de coisas que se suportava sem que se desse conta. A partir de uma série de dores intermináveis, de crises, gritos que tornam sensíveis mais e mais irremediavelmente o que "não pode ser como antes".  Daí o sentimento de desespero que emerge desse filme, de amargura, como bem exprimem os olhos baixos, os olhos tristes de Sandrine Bonnaire, o olhar de Pialat como ele mesmo. E, contudo, da mesma forma que Bacon se diz cerebralmente pessimista e nervosamente otimista, a tristeza pode não estar onde acreditamos que ela esteja. Na grande cena do acerto de contas, depois do "retorno do pai", no fim do filme,  Pialat dá, dessa forma,  uma interpretação curiosa para a frase que Van Gogh tinha proferido no seu leito de morte: "A tristeza durará para sempre". Acredito - diz ele dirigindo-se particularmente ao cunhado de seu filho (interpretado por Jacques Fieschi) - que Van Gogh fala dele mesmo, de sua vida triste, de sua miséria, mas não: ele deveria dizer que a luta duraria, são vocês que são tristes. Vocês quem? A maldição se dirige, sem dúvida, ao homem de poder, de influência e dinheiro, o cunhado, a quem o irmão de Suzanne se vendeu (como acusa seu pai) para que ele deixasse corromper seu talento nascente; em segundo lugar, ao filho e, enfim, à mãe, cercada de seu ressentimento histérico.
Há forças de tristeza que devemos lutar contra, essa é a lição de Van Gogh, é dela que Pialat trata aqui. As forças de tristeza e escravização, submissão são as mesmas: é o que exprime a cumplicidade lacônica entre o pai e Suzanne. Os dois sabem partir, traçar uma linha de fuga, e as últimas imagens do filme são as de uma partida. Suzanne viaja para San Diego com um companheiro efêmero, enquanto o pai se afunda em ônibus que lhe leva de volta à Paris, na escuridão de um túnel que evoca a morte. Mas "a tristeza durará para sempre" o que significa que a arte é uma luta obscura e difícil, a vida é uma luta obscura e difícil, o cinema é uma luta obscura e difícil". 

Pascal Bonitzer, Cahiers di Cinéma, dezembro de 1983
Tradução livre e torta minha.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Aos Nossos Amores







"A tristeza durará para sempre" - Essa frase me surpreendeu muito porque acredito, como todos, que Van Gogh era uma figura triste. Mas creio que ele queria dizer que os outros é que são tristes, não acham? Se você é triste tudo o que você faz é triste." Maurice Pialat como o pai em Aos Nossos Amores.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sem Teto e Sem Lei (Agnès Varda, 1985)






"Queria filmar jovens que não tem onde dormir e que não apreciam a lei.
Queria filmar a liberdade e a sujidade"



Mona caminha e caminha, é arisca como uma felina.Vemos sua expressão séria e as paisagens, o céu aberto e seu caminho livre para seguir. Agnès Varda diz ter pensado em fazer esse filme por não conseguir esquecer a história de um andarilho morto congelado e encontrado embaixo de uma árvore. Diz também que as paisagens da região em que filma lhe mobilizam e, como parte desse depoimento que dá acima, conta também que aqueles que não tem para onde ir, os pobres, os alcóolatras, sujos, lhe comovem muito profudamente. 
O desafio em "Sem Teto e Sem Lei" é filmar essa extrema liberdade, esse desconcertanete percurso errante pelo mundo. Vemos Mona como um gato que se encosta na mesma medida em que se afasta se algo ameaça essa vida livre que escolheu, abandonando a carreira de secretária. O que vemos é o seu caminho e o rastro que seu modo de vida vai deixando nas pessoas, nas maiorias das vezes inquietação, provocação, especialmente nas mulheres, todas parecem refletir sobre sua condição ao se depararem com o desprendimento dela, mesmo que isso queira dizer acampar no inverno. Ser livre, no fundo, é como acampar no inverno, é se expor ao frio e a violência. A personagem de Sandrine Bonnaire é estuprada, ludibriada, questionada mas segue com seu corpo aberto pro mundo, pra paisagem, com sua rispidez de quem rejeita o que quase todos tem a lhe oferecer, segue com a sua solidão necessária. Vagar é algo importante de ser filmado, como vimos no recente Habemus Papam (2011) de Nanni Morettin. Nesse filme de Agnès Varda, ver Mona vagar é quase uma perturbação diante do questionamento de uma série de prisões ou de ligações aparentemente inofensivas que temos todos os dias: emprego, dinheiro, carreira, tempo. O filme faz pensar também no filme recente de Jem Cohem, Chain, em que também temos uma personagem que vaga, em que vemos também uma mulher à margem em um mundo de aprisionamento, revelado nesse filme através do dinheiro, do trabalho, da publicidade que aparece a todo momento. Dessa forma, nos dois filmes, a marginalidade, o alheiamento, a vagabundagem, acima de tudo para um mulher, aproxima dessa liberdade buscada, dessa vida como gato, da resistência do que isso representa. Varda, que sempre fez questão de explicitar seu feminisno, impregna suas imagens disso, desse aspecto de se lançar ao mundo que quer dizer resistir. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cosmópolis




2012, crise mundial, mais uma crise do capitalismo, juventude na rua, muitos pobres, pouquíssimos muito muito ricos. Todas essas poderiam ser questões para entrarmos em Cosmópolis (2012), mas talvez faça mais sentido partirmos da limousine onde boa parte do filme acontece, onde há um isolamento, natural desse tipo de carro, e não se ouve a cidade movimentada naquele dia. No início vemos somente o semblante enfadonho do personagem de Robert Pattinson, Eric, que decide cruzar a cidade em um dia turbulento para poder ir ao cabeleleiro, em um dia que poderia haver uma atentado contra ele. É esse o mote, um homem riquíssimo fazendo o que quer, inclusive ter um médico no carro para lhe fazer exames diários. 
Há a questão da letargia que acabam vivendo os muito ricos, o rosto de Eric explicita isso, nada parece lhe atingir, ele sequer poderia morrer nesse ataque anunciado, nem viver a adrenalina dessa possibilidade, ele vive, tamanha proteção, tamanho aparato, tamanho isolamento. As pessoas que fazem parte do seu universo vão entrando e saindo do carro, pouco muda, as conversas não evoluem apesar das tentativas e dos constantes questionamentos do protagonista, os contatos parecem ser uma tentativa de estremecer algo mas nada evolui. Os personagens falam como que em uma peça, ou até mesmo como robóticos que proclamam, em algo que remete a filmes de Bresson ou de Nikolas Klotz. Isso, claro, até que Eric chegue ao outro lado da cidade, depois de se livrar daquela atmosfera que o imobiliza, que não o comove, que acaba por não lhe servir mais, apesar de que nunca esteja claro o que realmente ele sente ou deseja, talvez simplesmente se lançar no mundo, levar um tiro, deixar que o ataque que se anuncia aconteça. O que parece irromper sua realidade o instiga, o mobiliza, como na cena de sexo com a sua segurança em que Eric pede para que ela atire nele com sua arma de choque, para que ele sinta algo que ainda não sentiu, como se fosse preciso que algo o invadisse, só uma grande ruptura o salvaria, se é que há salvação. A ruptura acontece, ele deixa a limousine, vai até o cabeleleiro que lhe confere até um novo tom de voz, conversa banalidades com seu motorista, vai pra rua, quase é morto e é enfim confrontado sobre a sua posição e sobre a sua existência. Cronemberg cria um universo a ser invadido, a ser tensionado e suas imagens aos poucos vão violentando a realidade que ele vivia antes, a realidade da limousine, que no fim das contas, não era nada, não queria dizer nada a não ser um imenso e pesado vazio. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012



(Ulisses de Agnès Varda, 1982)

domingo, 23 de setembro de 2012




"Eu nunca vi o raio verde. Ouvi dizer que Rohmer, que filmou le rayon vert em 16 milímetros, câmera à mão e sem qualquer script prévio, gastou metade do pequeníssimo orçamento que teve a mandar segundas e terceiras equipas do filme para todos os pontos da costa francesa, a fim de filmar o raio verde. Vi o filme dezena de vezes e, seja ou não seja daltônico, nunca consegui ver o raio verde que Delphine viu no fim. Há um sol redondíssimo e amarelíssimo, há um mar todo azul, mas o verde eu não vi. Mas acredito que Delphine viu o raio verde, a partir desse plano, plano final do filme, outra Delphine existiu e uma espantosa história de amor começou. Se não é este o milagre do cinema, não sei nem o que é milagre nem o que é cinema.

Como Rohmer uma vez disse: No cinema, a imagem do mundo exterior forma-se automaticamente, sem a intervenção criadora do homem. Todas as artes estão fundadas sobre a presença do homem. Só no cinema fruímos de sua ausência."Le rayon vert, a obra mais mágica que os anos 80 me deram, é esta presença e é essa ausência."


(daqui)

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Chris Marker


No momento estou entre páginas abertas sobre a notícia, descrições curtas do que ele foi, do seu cinema,  das suas contribuições, resumos de sua carreira, fiapos que fazem parte de um dia triste em que fazemos um pouco como ele, ficamos entre estilhaços, pedaços do tempo vivido que ele tanto perseguiu. Junto com tudo isso, uma página do word aberta, de um capítulo sobre a obra dele que estava escrevendo e que tinha me prometido terminar hoje.
Se pensarmos seu cinema, principalmente após "La jetée", culminando na outra obra-prima "Sans Soleil", o que temos é a perseguição de um tema que parece o da vida dele, esse de entender o que se dá sobre as pessoas, os lugares e as coisas com a passagem do tempo, o que é possível recuperar nessa passagem, e se recuperar não é possível, como reescrever, recriar?

É difícil não falar dele sem falar que, com sua ajuda, esse tema passou a ser também o da minha vida, as imagens irrecuperáveis do passado, o reencontro embassado ou poderoso com elas, o que fica, o que se perde, a convivência poderosa entre presença e ausência que constituem o trabalho da memória, tudo isso, todas essas marcas do passado no presente.
Seu cinema faz com que o dia de sua morte seja de meditação. Teria ele encontrado a imagem de alegria da sua infância? Teria o homem que viaja no tempo encontrado alguma paz na relação com suas imagens de alegria passadas? Chegar ao extremo da lembrança é encontrar a própria morte? Essas questões ele nos deixa. Hoje não é dia de dizer muito, é dia de pensar sobre ele, sobre os instantes que nos acompanham, sobre as imagens do seu cinema que nos ajudaram a pensar essas relações e sobre as outras história da vida que podemos reescrever nesse trabalho incessante que é o da memória, ela que talvez seja a nossa única chance de imortalidade.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

tell veronika the secret of the boy you never kissed




Estou aqui tentando pensar em que momento exato de Girls aquela sensação desconcertante de identificação me pegou e não teve mais de jeito de não se envolver. Lembro do estranhamento bom quando vi Hannah tirando a roupa no encontro com Adam no primeiro episódio, do tempo dado pra esse momento, do tempo que ficamos vendo ela na sua falta de jeito, na estranheza próxima demais de um instante como esse.  Essa cena já nos alerta que as coisas vão ser boas,  fora o fato que temos uma mulher fora dos padrões físicos mostrando seu corpo, sua sexualidade, algo que enche a série de frescor e verdade.
Lembro também da delícia de conversa entre as amigas sobre a forma como Hannah deveria pedir pros pais que a ajudassem com o aluguel, construindo as diferenças de tom entre a diva Jessa e a reconhecível, e não por isso menos interessante, Marnie. Mas desconfio que o exato momento de encontro, que vai descambar em uma relação com toda a série, tenha se dado no terceiro episódio, na sequência que vai de Hannah postando e apagando frases no twitter, enquanto a música "Dancing on my own" da Robyn começa, e depois a vemos dançando desengonçada, tudo isso depois do peso de notícias sobre seu antigo relacionamento e sobre sua saúde. Até que Marnie chega, a vê, sorri e se junta a ela e as duas se abraçam ao som da música.  Essa já celebrada cena talvez tenha sido a melhor que já vi em um seriado, por essa leveza, alegria, e por conter o peso do que tínhamos visto na série até ali. Mas Girls é muito mais que esses momentos isolados, é um trabalho franco tratando de experiências de juventude. Claro, de uma certa juventude classe média, branca americana - a série, de fato, tem essa limitação, ou restrição intencional, mas mesmo assim dá conta dessa coisa batidíssima  que é crescer. Girls é sobre conseguir um trabalho, sobre não dar certo em nenhum, alugar apartamento, sobre uma cidade grande nova que parece não te querer, sobre transar, ter medo de pegar doença, procurar doença no google, rever os pais, notar complexidade neles onde não teria visto antes, voltar pra casa depois de ter uma casa nova, rever os posteres que pregou no quarto, transar com alguém e ser sentir confortável, transar com alguém que parecia legal e ser um lixo, sobre ser franco, sobre criar, sobre viver e retratar isso, sobre ser incoveniente, sobre desejar e almejar o que há de mais bizarro porque o que se tem parece sempre muito pouco, ou sobre como ser jovem às vezes é simplesmente inoportuno. 

neon lights shine bright
taxi cabs glide by
aeroplanes they fly, high up in the sky
pretty girls says "hi..."


what's the worst job you've had?
what do you read?
what's driving you mad?


Eu diria que Girls é como uma canção do Belle and Sebastian. De longe parece fofa, hype, hipster, indie, mas de perto revela uma complexidade muito maior nessa tomada de ponto de vista, que costuma sempre ser de alguém jovem, e que apesar da aparência de fofura, revela uma profundidade, delicadeza e verdade. Às vezes a série chega a ficar um pouco preguiçosa com seus demais personagens, mas com Hannah, a energia voltada por Lena Dunham é total. A personagem é escritora e está a procura de alguma coisa, de experiências genuínas para contar e elas estão todas lá, das mais bobas, às mais intensas. Às vezes isso quer dizer esquecer quem está ao redor, às vezes quer dizer retratar quem está por perto e magoar, na maioria das vezes é preciso se expor e sentimos que não só Hannah, mas Lena Dunham faz isso, expõe com sinceridade e cuidado esses dramas e o que temos é um momento muito singular da dramaturgia na televisão. Fica o carinho  e esse delicioso reconhecimento com esse jeito errante de ir vivendo de Hannah e suas garotas.

sábado, 23 de junho de 2012

Conto de Inverno


Mais uma vez vi "Conto de Inverno" e de novo estou aqui chorando de alegria como Félicie e a filha Elize.
Ainda me impressiona como esse filme é ao mesmo tempo tão simples e intrincado, dos mais intricados de todos. Rohmer o concebe partindo das imagens felizes do verão, de forma que elas pairem pelas demais imagens do filme, por todo o inverno, por todos os encontros de Félicie que virão.
É interessante perceber a delicadeza e o trabalho minucioso de Rohmer na construção das relações, seja na paixão, no colorido, no afeto, na sensação de suspensão que sentimos no encontro do verão, que vemos em uma sequência com o incomum uso de trilha sonora por Rohmer, como na construção da amizade amorosa com Loic, que remete a uma descoberta do mundo junto, como na bela conversa após a peça de Shakespeare. A relação com Loic é muito reveladora não só sobre o que Rohmer deseja construir com esse filme, mas com toda sua obra, na crença da percepção, da sensibilidade, do entendimento do belo e verdadeiro por qualquer um. Por isso que Loic ama Félicie, ele que aprende através dos livros, que vive a fé através da igreja, a ama porque ela é tudo isso trazido pra vida, ela é como um gato rebelde que faz o que o deseja, pra lá e pra cá zonza com seus afetos e com a persistência do seu jeito franco de viver. E o que Rohmer quer é sempre esse registro da vida, do que nela é matéria fina.
Não deixo de notar, contente, a forma de Rohmer com seu cinema, com a construção da intimidade, ou mesmo do desconforto, como vemos nos dias de mudança para Nevers, ou com a forma que ele nos diz de Shakespeare e Platão através da exarcebada verdade de Félicie. É enorme, é muito comovente.
Tudo isso que nos leva até o reencontro entre Félicie e Charles, o homem do verão. O que temos é a  persistência, a crença que parece sim, mover alguma coisa no mundo, comover, emocionar, contagiar, trazer de volta aquele que se ama pra perto e, enfim, a alegria, ou a imagem plena. Se há imagens de felicidade no cinema, da mais plena alegria, elas estão nesse filme, na ida ao parque, no reencontro, na volta pra casa até o choro de alegria, de todos nós.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Sexta feira à Noite




Acompanhar a obra de Claire Denis é fazer uma investigação sobre as superfícies, uma experiência radical com a pele, os corpos e os movimentos daqueles que ela decide filmar. A sua concepção passa pela dança, como vemos em "Bom Trabalho" e o constante balé que culmina na fascinante sequência final com Denis Lavant nos mostrando que o contrário de morrer é dançar; pela integridade do corpo, ou do olhar sempre que Alex Descas aparece na tela em qualquer um de seus filmes; pela forma como as pessoas se movem em um romance, a proximidade que a diretora promove desde os envolvimentos juvenis e intensos de "U.S Go Home", às fantasias do casal de "O Intruso", ou no reencontro violento e sensual dos personagens de Descas e Beatrice Dalle em "Noites sem dormir.
Em "Vendredi Soir", que só vi hoje, é um encontro romântico em meio a um dia de um grande congestionamento em Paris que traz o estranhamento necessário a cidade para que Denis a filme como deseja, concebendo-a a partir dessas sensações, dessas vivências dos lugares, da passagem do tempo na rua lotada, carros parados, pessoas que passam, aqueles que querem e rejeitam carona, e também na rua vazia no dia seguinte na belíssima cena em que Laure corre por ela.
"Vendredi Soir" revela uma série de excelentes escolhas que compõe esse conjunto hipnótico (hipnose que já vinhamos sentindo desde o começo, mas que com a aproximação dos dois, até o beijo, percebermos que já sentíamos). E acredito que esse estado de atenção e de latência que a diretora constrói reside para além da câmera colada, detalhada, às vezes desorientada nessa aproximação, ou da montagem minuciosa que acompanha os movimentos, mas também na pouca informação, sabemos quase nada deles, sabemos que ela está de mudança pra morar com alguém. Dele não sabemos nada a não ser que ela lhe dá carona. Os mínimos gestos desses dois desconhecidos, em meio a essa rua lotada de Paris, despertam a atenção em cada detalhe, entre o sumiço dele, entre a música que ela ouve na rádio, a mão dele que segura o cigarro, a dela que muda a estação, indica a direção a seguir, gestos, olhares, toques que nos levam a maravilhosa sequência do beijo em uma perfeição de montagem que compõe uma representação radical de proximidade, contato, de quase fusão de dois em um.

domingo, 13 de maio de 2012





A conversa longa hoje à noite com meu pai pelo skype levou até essa cena inesquecível do filme de Rohmer. Falávamos de uma conexão com o mundo e com os outros que faz com se aja de uma forma mais justa e solidária à despeito da impossibilidade de consertar o mundo. O importante é o gesto, em todos os seus sentidos. Rohmer sabe disso, meu pai sabe disso. A conversa com meu pai e a de Reinette e Mirabelle são importantíssimas pra mim.

domingo, 6 de maio de 2012

um nome, um filme e algumas paisagens




Observando a paisagem em meio ao tédio da estrada de Curitiba pra São Paulo me peguei pensando na simbologia que os rios tem e sempre tiveram pra mim, desde o que eu cresci à beira, em Timon, aos riachos dos arredores da cidade, e ele, River, e as primeiras intensas experiências com o cinema. É como disse o Milton, engraçado um nome que é também uma paisagem, e isso tem a ver com o que ele representava pra mim na juventude, essas imagens, o vegetarianismo, uma rebeldia que sinalizava também para um jeito dolorido e franco de viver, e acima de tudo, o olhar difícil de esquecer nos filmes que vimos tantas vezes. 
O filme que pensei com força hoje na viagem foi "O peso de um passado" de Sidney Lumet e a lindíssima história de uma família em fuga, aos pedaços, tudo pela manutenção de uma crença justa de mundo, da integridade, ou de uma integridade clandestina. Difícil não se apaixonar por River ali, e não passar a, ao invés de comprar presentes, dar aquilo que encontramos ou que nós mesmo fazemos. 

quarta-feira, 28 de março de 2012



Há algumas semanas tenho chorado no banheiro de pensar na minha casa. Acontece no banheiro porque descobri um sabonete glicerinado verde que me lembra o lugar, no começo da minha vida na casa em Timon, me faz pensar na mudança, na bagunça dos móveis no começo, lembra dias mais recentes também, meu quarto, tem cheiro da minha mãe, do meu pai, do arthur, dos meus amigos e dos gatos que viveram com a gente lá.
Outro dia fui a Timon por um motivo triste e enquanto me aproximava da igreja, distraída, reparei nas pedras da calçada, e não pensei na igreja, em nada daquilo, até porque não a frequentava, mas em todos os dias que passei por lá na volta da aula, com os amigos, segurando uma bicicleta, conversando, correndo, suada, de dia e de noite. Pensei que a memória é mesmo imperfeita e incompleta e por isso dolorida. Pensei também, mais uma vez, que o que fica entre os vazios da sua incompletude é poderoso demais.

sábado, 10 de março de 2012





"Rohmer é, como o seu comparsa (Rivette), um cineasta da realidade, que prefiro chamar da vida, mas ao tom mais contemplativo e ascético de Rivette (sim Mizoguchi), em Rohmer a vida aparece como coisa não somente reconhecível mas sim total.
Porque se os filmes de Eric parecem os mais fáceis do mundo, são, não tenho dúvidas, os mais intrincados – a vida não cabe num bloco de uma penada, mas cabem contos do humano, que é o que a câmara singelamente capta."
(daqui)



jeanne ouvindo uma canção tocada por natasha. ela que gosta de falar sobre seus pensamentos, é encantadora e difícil de traduzir.


(conto de primavera, rohmer - 1989)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

mulheres de vermelho, mães de vermelho




(Mulheres à beira de um ataque de nervos - Almodóvar - 1988)


Y las damas vestidas de rojo para mi dolor y con mi dolor insumidas en mi soplo, agazapadas como fetos de escorpiones en el lado más interno de mi nuca, las madres de rojo que me aspiran el único calor que me doy con mi corazón que apenas pudo nunca latir, a mí que siempre tuve que aprender sola cómo se hace para beber y comer y respirar y a mí que nadie me enseñó a llorar y nadie me enseñará ni siquiera las grandes damas adheridas a la entretela de mi respiración con babas rojizas y velos flotantes de sangre.
(Alejandra Pizarnik - Poesía Completa -  Argentina, 2011)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

paisagens da memória




"Se abrirmos as pessoas encontraremos paisagens, se me abrirem encontrarão uma praia"

É com a emoção de ter visto ainda esta tarde "As praias de Agnès" de Agnès Varda que me arrisco em um rabisco sobre ele, sobre esse enorme e importante filme que melhorou esse dia.
O filme é sobre o trabalho doloroso e bonito de recolhimento das memórias, dos seus fragmentos, dessa composição de um quebra cabeça sempre incompleto - aqui usando a metáfora que ela propõe no filme. Mas não basta falar de organizar, unir, é preciso falar e mostrar quem  se juntou e se junta a ela para construir essas memórias e reconstruí-las, a memória e sua recriação são para diretora também uma experiência em comunidade, de partilha. Emocionante ver as pessoas, como em um filme Hirokazu Kore-eda, recompondo as paisagens e os detalhes de que ela lembra. Trata-se de um revisitar constituinte, fruto desses encontros, desses contatos, das cores dos pintores que inspirarão este ou aquele filme, do feminismo nascido no cotidiano, na sua raiva revelada nos gestos de Sandrine Bonnaire,  no amor que não passa. 
Chorei, chorei de alegria porque talvez esse seja o drama maior, o drama da memória que lida com a morte e com a eternidade, com as paisagens de nossa memória,  e com o mistério dessa vida  vivida junto com as outras pessoas. 

Resta agradecer a ela pelo filme esperançoso e por expor tão sinceramente suas paisagens interiores.

sábado, 14 de janeiro de 2012

domingo, 8 de janeiro de 2012

narrativa e esperança

Dama na água na tv e a noite fica cheia de coisas. Shyamalan desorientando meio mundo quando mais uma vez adianta com um grande passo seu projeto de filme de crença, sua investigação sobre o que nisso é ligação, comunidade, oralidade. Me fez pensar na defesa da narrativa de Benjamin, no convite dos dois à esperança através do que se repassa, das transformações que a oralidade e a narrativa permitem, no que nela é potência e vulnerabilidade, e de como isso diz de um mundo que carece de ser reinventado. Dama na Água é tão bonito, tão comovente e deixa nossos olhos tão desacostumados, isso porque parece que tudo é feito pra desmontar o cinismo, o cinismo que quer dizer se acostumar a olhar. Pra ele é assim, se desmonta cinismo é indo fundo numa história que pode ter sido inventada por sua filha, pelo desprendimento, a liberdade e o frescor desprotegido que este modo de ver traz.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tom Zé, São Paulo e os filmes pela rua

Tom zé me faz gostar mais de São Paulo. Ouvir de manhã e querer andar pela cidade, pelo centro principalmente, descer a Ipiranga, chegar à Luz, achar o Brás o máximo, comprar grão do almoço do dia seguinte, voltar, passar pelo viaduto 9 de Julho, encontrar Helena Ignez em um almoço vegetariano e pertubador, subir pra Paulista, gostar de cinema, andar pela rua e pensar em filmes que falam da rua, pensar em Habemus Papam, em filme do Rohmer, na sensação de ir pra rua depois de um filme de Pedro Costa visto no centro. Subir, descer, voltar pra casa e ver a torre da band da janela como se fosse uma coisa romântica.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012



I am not an intellectual like these youngsters. I never was. I am not at all interested in theories about cinema. I am only interested in images and people and sound. I am really a very simple person - Claire Denis - 2010



I was never very interested in my own experience, I think in fact, if my films have a common link, maybe it's being a foreigner - it's common for people who are born abroad - they don't know so well where they belong. It's not the kind of thing you find in literature, music or photography - being from abroad makes you look different.



I would not say the word bourgeois, but I always consider that to make a film - all that energy, all that money - was to put the camera in the direction of the people I want to see and not the people I watch on TV. I don't speak of the opposition between bourgeois and not bourgeois because there are some aspects of the bourgeoisie that you don't see on TV either, you know. I think to make a film, the minimum is to be solidaire, how do you say that in English - solidaire?

(aqui)

domingo, 1 de janeiro de 2012

says she can walk now

(35 doses de rum - Claire Denis)
she's gone
and it's quiet now
took her mother with her
left town
took her mother's eye
stole her mother's heart
it's a compromise

we nurture that part and she's gone

says she can walk now
says she can walk now
thinks she can walk


(tindersticks)